SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922
POETAS, ORA POMBAS!
Nelson Marzullo Tangerini
Assim como os modernistas torciam o nariz para os velhacos parnasianos – até podíamos publicar aqui, como prova, o demolidor poema “Os sapos”, de Manuel Bandeira, corrosiva crítica do poeta pernambucano – lido pelos seguidores dos Andrades, Mário e Oswald, na Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, os parnasianos, incluindo aí a 2ª geração parnasiana, também satirizavam os modernistas, embora dois deles, Luiz Leitão e Nestor Tangerini, trouxessem a piada modernista para dentro de sonetos rigorosamente no metro, herança dos velhos classicistas. E satirizavam, também, os parnasianos, como já vimos em “Paralelepípedo”, soneto divertidíssimo de Tangerini, livro “Humoradas”, homenagem a Alberto de Oliveira, publicado pela Editora Autografia, Rio de Janeiro, RJ, 2016.
Publicado na revista COLYSEU, de Niterói, RJ, julho de em 1924, com o pseudônimo João do Paris, Nestor Tangerini, embora seja um parnasiano da segunda geração, tenta, em “Os poetas”, fazer este elo entre parnasianos e modernistas, fazendo, assim, uma alusão ao seu grupo “parisiense”, da Roda Literária do Café Paris:
“Vai-se o primeiro explorador da musa...
Vai-se outro mais... mais outro... enfim dezenas
De poetas vão-se do Paris, apenas
O relógio da casa uma hora acusa.
E na noite seguinte a tropa intrusa,
Cantando em versos loiras e morenas,
Chorando as mágoas, desferindo as penas
À caixeirada deixa semifusa...
Também do botequim, onde os fregueses
Fazem lanches, um por um gringos, franceses,
Vão-se como esses vates imortais.
No lajedo da rua as pernas soltam,
Correm! Para o Paris os poetas voltam,
Mas os fregueses – qual! – não voltam mais”.
O soneto satírico em questão é uma paródia de Tangerini, sem qualquer seriedade parnasiana, resultado da esbórnia em que viviam aqueles jovens poetas de Niterói, RJ, de “As pombas”, do juiz e poeta maranhense Raymundo da Motta de Azevedo Corrêa, nascido em Barra da Magunça, em 13 de maio de 1859.
Publicamos, aqui, o célebre soneto de Raimundo Correia:
“Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...”
Luiz Antônio Gondim Leitão, mais conhecido como Luiz Leitão, ou, ainda, como Lili Leitão, poeta satírico niteroiense, escreveu, também, embevecido com as estrelas dos filmes (fitas, na linguagem da época) a sua paródia, “As fitas”, a partir do soneto de Correia. Publicamos abaixo o soneto do “Parisiense” Leitão, retirado do livro “Vida apertada”, de 1926:
“Vai-se a primeira fita comovente,
Vai-se outra mais... mais outra... e muitas fitas
Vão-se, fitas alegres, esquisitas,
Apenas desce a tarde lentamente.
E, depois do programa surpreendente,
Noutra sessão, mais tarde, elas, catitas,
Da Pathé, Paramont, Metro, bonitas,
Voltam às telas novamente.
Também dos nossos bolsos, retinindo,
Vão-se os níqueis “magríssimos” sumindo
Como do quadro as fitas colossais.
Nas trevas da gaveta o timbre soltam,
Fogem. Noutra sessão as fitas voltam,
E esses níqueis, aos bolsos, nunca mais!”
Acadêmico pela ABL, ACADEMIA brasileira de Letras, Raimundo Correia, que faz parte da tríade parnasiana, com os Acadêmicos Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, alvo de críticas do modernista Mário de Andrade, morreu em 13 Setembro 1911, em Paris, França, sob a atmosfera parisiense (galhofa do cronista). Coincidência ao não, os “parisienses” Leitão e Tangerini, o parodiaram com “Os poetas” e “As fitas”.
Em 2022, o Brasil comemora os “100 anos do Movimento Modernista”. Embora os modernistas anunciassem a independência literária e cultural do Brasil, naquele longínquo 1922, o que deve ser profundamente estudado e debatido, é hora de fazermos, também, uma releitura de nossa história literária anterior ao Modernismo, para entendermos o interessante movimento libertador, bem como dos “parisienses”, 2ª geração parnasiana, movimento de resistência ao Modernismo, que aconteceu em paralelo à Semana de Arte Moderna, em Niterói, antiga capital do Estado do Rio de Janeiro, sem patrocínio de nenhum empresário importante.
“O Brasil não conhece o Brasil”? O Brasil, destruído proposital e maldosamente, em todos os sentidos, nesses últimos anos, se esqueceu de todo o seu conteúdo intelectual. Esqueceu-se de sua generosidade, destacada, certa vez por Mário de Andrade. O tenebroso e rasteiro trabalho arquitetado às “claras” pelo atual desgoverno, que desfere ataques fascistas não só à cultura, mas também à ciência, à educação, ao meio ambiente e à saúde, enfraqueceu todos os pilares de nosso grandioso edifício, agora em ruínas.
Reconstruir o Brasil é preciso.