ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE

Estou completando 50 anos de casado. E com a mesma mulher. Como dizia um tio meu, já falecido: “Sou tão relaxado que nem de mulher eu troco.”

“Até que a morte os separe” é uma frase secular. Quando foi dita pela primeira vez, as pessoas não viviam tanto tempo quanto hoje. A espécie humana foi feita para durar entre 40 e 50 anos, período em que, a princípio, a reprodução cessa. Um casamento, naquela época, durava em média 15 anos, raramente ultrapassava duas décadas. A mortalidade alcançava índices altíssimos. Era comum as mulheres morrerem durante o parto e os homens na guerra. Além disso, havia muitas outras doenças mortais, incluindo as pestes que dizimavam quase uma população inteira.

Com o avanço da medicina, a estimativa de vida se alongou e, atualmente, queremos viver acima de 100 anos. Por conseguinte, os casamentos também se estenderam. Lógico que a convivência do casal passou a exigir novas estratégias para que a harmonia não fosse quebrada.

A mim sempre pareceu que a mulher se mostra mais habilidosa na preservação do relacionamento. Nós, homens, somos normalmente desligados, mais preocupados com fatores externos à vida conjugal. Certa vez, vi na televisão uma jornalista entrevistando um casal do interior que completava 70 anos de casados. Então, a repórter perguntou:

– Dona Maria, qual o segredo para ficar 70 anos com o mesmo marido?

A senhorinha revirou os olhinhos e amorosamente respondeu:

– Ter muito amor. Dedicação ao companheiro. Ter olhos só para ele. Se preocupar só com ele. Pá ... pá ... pá ... pá – e por aí desfilou um rosário de amabilidades até a moça interromper e perguntar ao marido:

– Seu Sebastião, o que o senhor me diz sobre viver 70 anos com a mesma esposa.

Seu Sebastião foi curto e grosso:

– Paciência, minha filha ... Muita paciência.

Brincadeiras à parte, um convívio prolongado necessita de tudo um pouco. Não vou prescrever a receita porque sou um desastre como psicólogo. Posso apenas afirmar que tive a felicidade de conviver com uma parceira sensacional. Uma mulher espetacular, mãe, amiga e amante. Meu suporte. Não sei como estou dizendo isto, pois me atrapalho ao me declarar ou agradar. Minha filha me acusa que não sei dizer: “Eu te amo”. Verdade, sou bronco. Na hora H, gaguejo. Tenho amigos que são extremante habilidosos, nesse sentido. Galanteiam, dão presentes, levam flores.

Uma vez, no dia dos namorados, seis horas da tarde, inverno chuvoso, parei na sinaleira e um garoto veio me vender um botão de rosa. Coitadinho, era o último da cesta e ele estava com frio e louco para ir embora. Perguntei o preço e ele me informou que custava R$ 10,00. Tive a infeliz ideia de comprar, pois nunca levei uma flor para ela. Pus a mão no bolso, puxei 5 reais e disse ao menino que era o que tinha de troco. Claro que ele topou. Vocês precisam ver a cara de desânimo da mulher, quando lhe entreguei aquela rosinha feinha e desfigurada pela chuva. Só aí caí na real, mas o fiasco já estava feito. Hoje, entretanto, tentei me redimir. Criei vergonha na cara e pedi à floricultura que entregasse a ela um buquê de flores digno de uma rainha.

Enfim, meus amigos, quero aproveitar este espaço para agradecer minha companheira por ter me acompanhado por tantos anos. A minha consorte. Aliás, o sortudo sou eu. Espero, no dizer do seu Sebastião, que ela tenha paciência para me aguentar por mais uma longa temporada. Por oportuno, parabenizo os casais que já completaram esta marca, bodas de ouro, ou que anseiam em um dia completar. Incluo aqui aqueles que reiniciaram uma segunda caminhada com um novo(a) companheiro(a). Infelizmente, a nossa mídia, especializada em banalizar o casamento, trata um feito desses como uma cafonice. Contudo, quem tem a felicidade de fazer uma harmoniosa jornada a dois, sabe que a vida desse jeito é bem mais fácil de ser vivida.

Desejo a todos nós que o “Até que a morte os separe” demore a chegar. Lamento por aqueles que a morte já os separou.

Ah! Estava esquecendo. A maioria dos casais tem uma música especial, deles. Nós também temos a nossa. Foi ela que escolheu. É um samba cantado pela Alcione: “Meu Ébano.”, que começa assim:

“É, você é um negão de tirar o chapéu

Não posso dar mole, senão você créu

Me ganha na manha e babau

Leva meu coração.”

Me desculpem o exibimento, mas me vejo nesta música.