Agônico

A noite abriu os olhos, como uma chaga mortal no negrume da noite.

Já sinto a luz agressiva, mortiça do dia ferindo os meus olhos.

Mal acordo e já provo um gosto amargo, um travo azedo de cansaço e de tédio. Saio das horas de esquecimento da noite e caio como um feto abandonado na insipidez letárgica do dia.

Nessas horas eu vegeto, como vitórias régias sonâmbulas boiando ao acaso de um rio morto, inerte.

Sinto a vida e todo o peso de suas angústias e misérias; de suas vidas pobres, secas e irremediáveis que pastam na lama ignorada do mundo.

Saio da cama com esse ódio incompreensível, com esse nojo que vêm do fundo mais obscuro de minha alma. Ódio, desejo, ânsias e tremores de morte.

Engulo a ração diária do dia como um condenado que se levanta para sofrer, para penar mais uma vez e lutar inutilmente por um segundo a mais de humilhação.

Vejo na rua a multidão que trabalha, que sofre com êxtase e contentamento; que aceita como uma caridade uma posição vagabunda, uma colocação qualquer em qualquer trabalho sujo, humilhante; e se consideram livres e felizes na sua imundície extrema.

A maioria apenas vegeta, entrega o seu tempo, o seu corpo, a sua alma em troca de um valor que mau dar para encher a barriga de seus filhos doentes, de suas esposas estúpidas ou de seus animais de estimação.

A vida corrói a maioria das pessoas e quando param para respirar já estão mortas e velhas como peças que não servem mais e que o mundo jogou fora, na sarjeta fria de onde nunca saíram, embora tenham passado a vida sonhando com coisa melhor.

A pobreza, o egoísmo, a canalhice, o crime e a moral estão devastando o mundo e adoecendo as mentes mais lúcidas, enquanto apenas assistimos toda essa comédia de boca aberta e braços cruzados, como bestas sonolentas.

Já perdi a capacidade de sentir pena, de sentir empatia e alguma esperança pelo mundo. Estou me afundando cada dia mais num egoísmo mortal e num desprezo congelante por toda essa raça de narcisos doentes, de deuses tristes e decadentes.

Cada dia me perco mais num tédio vicioso e numa antipatia abissal por tudo e por todos.

As angústias dos outros me soam como música velha e irritante. Os problemas alheios para mim não passam de pedras que eu chuto no caminho. A solidão me tornou egoísta, fraco, recalcado, triste e obtuso para o mundo.

Afinal, a natureza cumpriu o seu trabalho. Pois hoje posso afirmar com certo orgulho: não há mais diferença entre mim e o resto dos animais!

(Janielson Alves de Araújo)

Janielson Alves
Enviado por Janielson Alves em 07/01/2022
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