MARATONA
Nós corremos...
Corremos para cumprir datas.
Corremos para cumprir horários.
Corremos para bater metas.
Corremos para pagar as contas e nos tornamos devedores de nós mesmos e a nós mesmos.
Corremos para comprar um sofá confortável e quase não temos tempo de nos sentarmos nele.
Corremos para comprar roupas novas e quase sempre preferimos o pijama ao fim do dia.
Corremos para comprar uma churrasqueira e juntar os amigos e nem sempre conseguimos parar para acendê-la.
Corremos sentados, ou de pé nos meios de transporte, enquanto a paisagem passa correndo também.
Nós nos transformamos em um armazém e, enquanto corremos, vamos pegando tudo pelo caminho, querendo ou não, nossos olhos e ouvidos vão registrando até o que não queremos, e raramente paramos para descartar o que não nos serve.
Nós corremos para as coisas boas também, aliás, em princípio, corremos somente para o que julgamos bom. Corremos para o encontro marcado.
Corremos para o culto.
Corremos para a academia.
Corremos na academia.
Corremos para o dia que ainda não chegou, mas que desejamos que chegue logo.
Corremos para o reencontro.
Corremos para o encontro.
Corremos das despedidas.
Corremos como o cavalo do filme Cavalo de Guerra, levando todos os arames e cercas que achamos no caminho.
Corremos sem, muitas das vezes, sequer sabermos realmente porque corremos tanto. Corremos pelos disparos, pelos barulhos que outros fazem e que talvez nunca nos atinjam. Contudo, quem quer pagar pra ver? Então, corremos...
Corremos para o passado.
Corremos para o futuro.
Todavia, nessa maratona, esquecemos de correr pela via do presente.
Corremos para dar o melhor aos filhos, e não percebemos eles crescerem.
Corremos para dar o melhor aos nossos pais, mas não nos damos a eles.
Corremos para não deixar faltar nada em casa, mas não damos o melhor: as brincadeiras, as conversas em volta da mesa, os planos vividos juntos, e até as picuinhas naturais de toda família.
Corremos para ter uma família e quando a conseguimos, corremos para mantê-la materialmente e não percebemos que, enquanto corremos, desmantelamos o que corremos para manter.
Até que, por força das circunstâncias ou da consciência, somos obrigados a parar.
Claro, já que corremos tanto, não dá pra correr das exceções e você, que leu até aqui, pode ser uma delas, uma dessas pessoas que não corre tanto, que sabe aproveitar a paisagem da vida sem vê-la se transformando em um vulto que passa. Ou porque viu a morte passando de vulto e, por essa razão, decidiu que não faz parte dessa maratona desenfreada da qual a maioria de nós participa.