O FRAMENGO É SINISTRO!
Flamengo ou Framengo?
Lembro-me do quadro humorístico de um programa de TV, já faz tempo, em que um velho professor de Português admitia uma empregada jovem que, no final da semana, dirigia-se a ele, respeitosamente:
- Professor, já fiz todo o meu serviço. Posso sair mais cedo pra ver o jogo de futebol?
- Ah, você gosta de futebol. Qual é o seu time?
- Framengo, professor.
O homenzinho tinha tremores, passava a mão pela testa, mas conseguia conter-se e dizia:
- Marieta. Não se diz Framengo. É Fla-men-go! Vamos lá, repita comigo: Fla-men-go. Bem devagar.
- Tá bom, professor, vamos lá: Fra-men-go.
- Não, Marieta. É Fla-men-go. Repita!
O tempo ia passando e Marieta não conseguia dizer Flamengo. De tanto o professor insistir, e vendo que acabaria perdendo o jogo, Marieta explodia:
- Fla-men-go! Fla-men-go! Fla-men-go!!!
- Muito bom, Marieta. Vá ao jogo e torça pelo seu Flamengo.
- Ah, professor, o meu noivo também vai. Posso trazer ele para o senhor conhecer?
- Claro, Marieta. Como é o nome do seu noivo?
- Cráudio, professor. Ele também torce pelo Flamengo.
A lembrança dessa historinha me veio por causa de palavras que, se forem deformadas como a Marieta fazia com “Flamengo”, podem deixar as pessoas confusas. Olhem o caso de “infração” e “inflação”. Se alguém disser que o índice de infração no país está alto, como interpretar a frase? Será que estaria se referindo à inflação e tem dificuldades para emitir a palavra corretamente? Ou será que cada vez são cometidos mais delitos neste país?
Creio que o velho professor tinha razão. É preciso batalhar pela emissão correta dos sons das palavras, bem como trabalhar muito para que as novas gerações, embora com total direito de construir seu vo-cabulário de grupo, tenha noção clara do significado original das palavras. É a única forma de manter os vínculos entre as diferentes gerações.
“Irado” e “sinistro” são duas palavras que agora me ocorrem e que a meninada usa com sentido positivo (ótimo, maravilhoso), mas experimentei perguntar a alguns jovens o significado original de cada uma delas e todos ficaram me olhando, com ar de espanto.
- Ora, irado é irado e sinistro é sinistro - foi o máximo que consegui de explicação.
Desde muito tempo as justificativas para as gírias de qualquer época desembocam em frases desse tipo, mas a verdade é que o elo de ligação entre as gerações está se afinando cada vez mais.
Vejamos duas outras gírias.
“Legal!” Pode ser aplicada tanto como apoio a uma atitude positiva como a uma anti-social, dependendo do contexto:
1) - Aí, ó. Descolei uma grana legal do meu pai.
2) - Aí, ó. O maluco vinha de bike e se estabacou legal!
E “barato”?
1) - O filme foi muito bom, Tremendo barato!
2) - O filme foi muito bom, cara. Sinistro!
O certo é que a maioria continuará a usar a gíria à sua conveniência, mas quem saberá o significado dicionarizado, tanto de barato, quanto de legal, daqui a pouco tempo? Porque antes, lia-se mais e o vocablário, consequentemente, era maior.
As transformações sociais passaram a ocorrer num ritmo de tirar o fôlego, a ponto de me fazer rir (com todo o respeito), das previsões de um professor de Psicologia que tive, lá pela década de 1960. Dizia ele, preocupado:
“Os padrões sociais e de linguagem estão mudando rapidamente. Daqui a três anos, tudo terá se transformado radicalmente.”
É, caro mestre, nos dias de hoje, esses padrões mudam de três em três...minutos. Isso me traz grande preocupação. Como é que, em breve, as diferentes gerações vão se entender se, apesar da escola, os vocabulários estarão cada vez mais distantes? Quantos livros são lidos, por ano, em nosso país nos grandes centros culturais? Desta forma a linguagem culta vai ficando para trás. O que restará, em pouco tempo, da “última flor do Lácio”? Prevejo, inclusive, que mais adiante, não mais haverá filmes legendados, porque a maioria das pessoas será incapaz de chegar às últimas palavras, antes que uma nova legenda apareça na tela. Irado!
Quando isso ocorrer, qual será a diferença entre dizer Framengo ou Flamengo? Nós vamos ou nós vai? A gente gosta ou a gente gostamos? Craro que nenhuma, Cróvis. Vai ser tudo um tremendo barato. Sinistro!
Pobre Marieta...