O zumbido.
Era madrugada quando acordei e o primeiro sinal que chegou ao meu consciente e deu provas de que eu estava mesmo desperto veio na forma de um zumbido, exatamente igual aquele já velho conhecido nosso associado a um animal pelo qual eu não guardo a menor afeição, perdoem-me os que têm apreço pelos insetos. Dito isto, já é possível deduzir o quanto foi desagradável escutar o zunido funesto passado dois anos de pandemia, isolamento social, máscara, muitas mortes... Desejava pegar no sono novamente, não queria levantar, então dei um tapa no ar logo ao lado do meu ouvido, na verdade, dei vários, na tentativa de nocautear o mosquito e livrar-me do incomodo. Achou que eu o acertei? Nem vou te responder.
Eu estava deitado de lado com a mão esquerda apoiando a cabeça sobre o travesseiro; visto que não dei um golpe certeiro, pois o chato continuava zoando ao meu redor, mudei de posição e deitei de costas; esperei ouvi-lo outra vez já com as duas mãos livres prontas para desferir um ataque duplo. Talvez ele tenha percebido a minha intenção homicida e se afastou covardemente, pensei até, que ele tivesse desistido de mim. Foi procurar alimento noutro lugar isento de ameaça, eu refleti.
Bem, demorou, e quando menos espero ele retornou. Eu já estava quase pegando no sono outra vez na hora em que ouvi o zunzum ecoando muito próximo sobre a minha cabeça. Apurei minha audição e me preparei para esbofetear o hematófago no escuro. Desferi um, dois, três golpes batendo a mão direita contra a esquerda espalmada para esmagar o inimigo e, nada! O bicho continuava adejando à minha volta. Enfurecido eu abri os olhos e me levantei, acendi a lâmpada no quarto, pus os óculos na cara e esquadrinhei toda a área sobre a cama, nenhum vestígio do animal. Tomado de raiva pela fuga bem sucedida do infeliz, ao volver o olhar no entorno avistei dois ao mesmo tempo voando na direção da parede oposta sobre a escrivaninha, não titubeei para apanhar a única arma ao meu alcance naquele momento, uma cueca Zorba de algodão sobre o espaldar da cadeira, fiz dela uma bola e lancei com determinação contra o pernilongo que estava mais achegado. Não acertei o danado, o chumaço atingiu a parede e caiu. Vi ele voar para o teto, corri para pegar a cueca, apanhei-a do chão, refiz a bola rapidamente e atirei. Oh! Que tragédia! Eu sou muito ruim de mira. Nem fazia ideia que era tanto assim. A pequena bola de malha desmanchou-se no trajeto, a cueca se chocou contra o teto e caiu sobre a hélice do ventilador onde ficou pendurada com os fundilhos voltados para mim como se estivesse rindo da minha cara. Fiquei realmente irado. Com o cabo da vassoura recuperei a minha Zorba; suspendi pela bainha a camiseta que eu usava até cobrir completamente o nariz e segurei firme, mantendo ele resguardado desse jeito; na despensa apanhei uma lata de spray SBP 450ml zerada e, deliberadamente, com muita vontade mesmo, pulverizei o quarto fechado até se formar uma nuvem espessa, carregada, com promessa de saraivada de granizo. Forrei o tapete da sala com um lençol, coloquei um almofadão pra cabeça outro para as pernas e deitei, pensando no Aedes, àquela altura morrendo sufocado. Vai mexer com quem tá quieto, vai.