HORA DE CAMINHAR
Caminhava eu pelo calçadão da orla Leblon/ Ipanema - atividade que faço, não por gosto, mas por total pressão familiar e médica - quando, ao chegar próximo ao Jardim de Alá, passaram por mim um homem e um pequenino cão. Até aí nada de extraor- dinário. Centenas de pessoas fazem dessa atividade mais uma de suas rotinas, só que o animalzinho trazia apoiada a parte traseira do corpo em uma espécie de carrinho de duas rodas. As patas dianteiras moviam-se com elegância e desembaraço, mas as traseiras estavam completamente paralisadas.
Quando adiante os alcancei fiquei pensando: como um cachorro poderia viver em condições físicas tão adversas, sem ter um excepcional amigo como aquele, para ajudá-lo?
Tive vontade de parar para conversar com o homem, mas receei que ele não se sentisse à vontade para falar do assunto ou até que já considerasse tão corriqueira a situação, que nada tivesse mesmo a dizer.
Segui minha caminhada, consolado porque o esforço máximo que eu tinha de fazer (e não todos os dias) era andar, enfadonhamente, alguns poucos quilômetros, usando as patas traseiras, quero dizer, as pernas que, embora já meio pesadas e frequentadas por riachos de varizes, vão dando conta do recado.
Toda manhã, bem que procuro ler, avidamente, as notícias do jornal, mas logo sou obrigado a abandonar esse prazer, ante o olhar de censura e a voz de comando familiar:
– Hora de caminhar!
Levanto-me, despeço-me com o melhor sorriso que posso e lá vou eu, rumo ao calçadão. Não consigo esquecer a visão daquele bravo cãozinho e de seu devotado escudeiro. Eles me fizeram perceber a importância que é preciso dar às coisas simples da vida, como, por exemplo, desfilar pela orla da Zona Sul, manhã após manhã, com todo aquele marzão a me fazer companhia, queixando-me de ligeiras dores pelas pernas, mas com a certeza que, logo ao chegar a casa, vou tomar um banho e - aí sim - saborear a leitura ampla, geral e irrestrita do meu jornal.
Acabo acreditando que é melhor sacudir minhas pernas agora do que poupá-las, sei-lá-para-quê...Amanhã, prometo não pegar o jornal logo cedo. Vou fazer minha caminhada médico-familiar, espontaneamente, sem precisar obedecer a nenhuma voz de comando, querendo acreditar que, dessa forma, manterei saudáveis as minhas pat...pernas, por mais algum tempo.