TIMIDEZ
Ela mora do outro lado do corredor, em frente a mim. Pouco a vejo, mas quando isso acontece, tudo se ilumina. Será por causa de seus cabelos louros? O sorriso meigo e acanhado certamente ajuda demais. O andar ligeiro acrescenta brejeirice à figura, que obedece aos padrões rígidos por mim estabelecidos para caracterizar a mulher fisicamente perfeita: esguia, sem ser magra; cintura fina; bumbum arrebitado; seios tamanho médio. O que nela logo me chamou a atenção foi um atributo que não está especificado acima e que sempre me atrai bastante: as batatinhas das pernas. As tais das panturrilhas. Perfeitas. Bem torneadas, destacando-se contra as calças americanas com que quase sempre a vejo. Pena que jamais a encontrei de vestido para melhor apreciá-las.
Algumas vezes a vi chegando ao edifício, quando eu estava à janela. Trocamos sorrisos tímidos e nos acenamos, discretamente.
Sempre que saio de casa, torço para que ela também o faça. Isso só aconteceu uma vez e nos cumprimentamos, cada um seguindo o seu caminho.
Ela provavelmente me trata como um simples vizinho, mas a minha mente delirante fica insistindo para que um dia eu tome coragem e puxe um papo com ela:
- Bom dia vizinha. Que dia chuvoso. A gente mal pode pôr os pés na rua, que fica logo todo encharcado.
Que horror! Melhor nada dizer e continuar a devorá-la com os olhos.
- Tem razão, vizinho. O sol está fazendo falta.
Temos a mesma opinião quanto ao tempo. Ambos preferimos o sol.
- Assim que o verão chegar, vou correndo me estiticar nas areias de Ipanema, enquanto leio o meu jornal - digo eu.
Dando uma de “garotão” do século passado, lá pelos idos da década de 1960: ir à praia pra ler jornal... Só falta chamar o homem do Mate e o dos Biscoitos “Grobo”. Êta falta de assunto.
Insisto.
- Você gosta de praia?
- Às vezes. Elas ficam muito cheias, no, verão. Prefiro a piscina do clube. Até outro dia.
Piscina nunca foi a minha. E olha que aprendi a nadar numa delas. Melhor esquecer a loura maravilhosa. Quem sabe um dia ela acorda febril, me confunde com o Tom Cruise e se atira em meus braços, me enchendo de beijos e palavras carinhosas de amor?
Ou será que vou continuar com essas migalhas de acenos de janela, até que a encontro de braço dado com um outro vizinho do nosso prédio?
Desisto. Adeus, minha loura, meu sonho não realizado, meu sorriso de esplendor. Quem sabe – um dia – eu tomo umas biritas e lhe dou um beijo em plena rua, declarando, de joelhos, a minha paixão?
Aí, ou eu viro Tom Cruise ou tomo um soco de me deixar um olho roxo.