Crônicas de Pai para Filho - Peru Surpresa
Nos tempos em que meu pai e minha mãe ainda não haviam descoberto que não queriam mais viver sob um mesmo teto, havia as comemorações de Ano Novo.
A noite da virada era tratada por meu pai, como um evento totalmente excepcional. Ele considerava talvez a noite mais importante do ano. Certa vez ele declinou de um convite do próprio Primeiro-Ministro.
- Desculpe, mas a noite de Ano Novo passamos em casa com a família.
Ele e minha mãe levavam tudo muito a sério. Eles passavam as duas ou três semanas que precediam o dia 31, comprando tanta comida, que em alguns anos tiveram até mesmo de construir mais dispensas na casa. E isso não era o bastante, meu pai comprava peru de Natal, para quase todo mundo que ele conhecia.
Na noite da virada, eles montavam uma mesa com tantas frutas que poderiam alimentar um pequeno kibutz por até uma semana. Minha mãe preparava arroz de forno, maionese, e assavam o peru. Outra iguaria que não faltava era uma farofa feita com as sobras do peru do Natal que insistia em se multiplicar na geladeira.
É preciso dizer que nada podia ser tocado antes da meia-noite. Meu irmão e eu éramos obrigados a ficar observando toda aquela variedade de frutas, sem poder provar uma mísera uva niágara antes das doze badaladas do relógio.
Em um ano porém, toda a atenção foi transferida para uma maravilhosa novidade que meu pai trouxe para casa. Quando ele chegou do mercado, ofegante, gritou por minha mãe e quase nos arrastou pelo braço para poder ver a grande surpresa que ele havia comprado para a noite daquele Ano Novo.
Ficamos ao redor da mesa, e ele tirou da sacola um peru.
- Mas isto é um peru. – disse eu.
- Não, menino! Deixe de ser sempre do contra. Isto é mais que um simples peru! É um peru com pininho.
Olhamos desconfiados para aquela tão diferente ave festiva. Ele explicou que a novidade daquele ano, era que os perus tinham um pino, que simplesmente subia para avisar que a ave estava assada e pronta para ser comida.
Ficamos realmente impressionados. Minha mãe passou o resto da semana nervosa. Cheguei a escutar ela confidenciado com uma vizinha o temor que sentia daquele peru.
Todas as vezes que eu ia beber água ou pegar outra coisa na geladeira, observava com atenção aquela ave. Cheguei mesmo a tocar o pino com a ponta do dedo, para constatar que era realmente de verdade.
Pois bem, na tão esperada noite, meu pai abriu o pacote, retirou o peru que colocou em uma forma. Disse a minha mãe que a ave já era temperada, o que ela ouviu com uma expressão incrédula.
- Pode-se dizer que praticamente é só comer. – disse meu irmão, e todos rimos nervosamente.
Meu pai ligou o forno, colocou o troço lá dentro, fechou a porta e olhou ao redor como se tivesse feito algo incrível.
- E agora? – questionou minha mãe.
- Ora, basta esperar o pino vermelho subir e poderemos comer.
Os momentos que se seguiram foram de um nervosismo generalizado. Meu irmão reclamava de fome, minha mãe queria desligar o forno e desistir, eu queria ir dormir. Mas meu pai, altivo, simplesmente dizia:
- Deixem disso, logo aquele pino sobe e o peru estará pronto.
Acontece meus amigos leitores, é que o pino simplesmente não subia. Os minutos foram passando intermináveis, o cheiro de ave assada tomava toda a casa. Minha mãe abriu o forno desconfiada e olhou para dentro.
- E então? – perguntou meu pai, sentado à cabeceira da mesa.
- Nada. Mas o peru parece estar assado.
- Ora, se já estivesse bom, o pino teria subido. Baixe a temperatura do forno e esperemos.
E mais espera. Fumaça saia do forno, e um forte cheiro de queimado já se fazia sentir.
Meu pai abriu ainda mais duas vezes o forno para constatar que nada havia acontecido. O pino imóvel.
- O pino sobe quando estiver pronto, vocês verão.
Após mais alguns minutos quando a fumaça já tomava conta da casa, minha mãe fez sinal a meu irmão e a mim. Fomos ter com ela.
- Rodrigo, distraia seu pai, tire-o da cozinha, eu fico de guarda, e Tarciso, você dê um jeito de subir aquele pino.
Meu irmão foi até a varanda da frente, de onde passou gritar chamando meu pai. Ele se levantou a contragosto, e foi verificar o que estaria ocorrendo. Minha mãe correu até a porta onde se posicionou e me disse:
- Agora!
Fui até o forno, abri, e lá estava: uma pequena coisa escura, queimada, fedida. Enfiei uma faca naquilo, e forcei o pino para cima. Fechei o forno, joguei a faca no fundo de uma gaveta e voltei correndo para me sentar.
Logo depois meu pai entrou na cozinha, dizendo ao meu irmão que definitivamente não havia nada estranho no céu.
- Veja o peru. – disse minha mãe.
Ele foi já sem paciência até o forno. E quando abriu a porta um sorriso enorme apareceu no seu rosto.
Ele desligou o forno, pegou um pano de prato, enrolou nas mãos e tirou o perú.
- Ora vejam, não é que o pino subiu? Vamos comer.
E assim, comemos o peru mais torrado, seco e duro de toda as nossas vidas. Naquela noite, ninguém disse nada. Mas nos anos seguintes, meu pai nunca mais comprou peru. Passamos a comer pernil.