Minha terra minhas gentes( final de ano, uvas passas, tremoços...)
Adoro falar de tempos antigos, histórias que me contam, testemunhos vivos .
Aproximava-se o fim do ano e com ele festas familiares, reuniões e encontros de amigos da minha terra. Lindos momentos, especialmente para as crianças.
Bons tempos aqueles, e como sempre agraciados pela liberdade e segurança que se vivia na cidade, a exemplo de outras, pequenina cidade de Moçâmedes ao sul de Angola. Tempos sem medos nem mesmo temores, infundados( pelo que se sabia), e assim, passeios livres por todo o lado, e a criançada a correr e a bater à porta da casa dos amigos para traquinagens, diabruras e aventuras .E não só ! Sempre a juntar os tostões para comprar nas tascas da esquinas aqueles “pecadinhos” que toda a criança adora comer. Mas, às escondidas muitas vezes naqueles tempos pois, havia o receio dos nossos pais sobre a higiene .Normal essa preocupação, afinal ainda vivíamos sem água tratada, usou-se por muito tempo água das cisternas que os empregados iam comprar, salvo erro vindas de Vila Arriaga, a Bibala . Portanto, água não potável, e nas nossas mesas a água da fonte da praça do obelisco, praça Fernando Leal ( 1º governador nomeado já com o acordo dos colonos). E por se falar em Fernando Leal não há como deixar de relembrar que foi ele a delinear naquelas ruas uma espécie de plano urbanístico em quadriculado, orgulho dos moçamedenses , e que tão bem conhecemos.
Mas, mesmo em tempos muito antigos a nossa cidade sempre foi considerada das mais limpas de Angola. Quem não lembra do termo carinhoso dado aos varredores de rua” os chicuamangas”? Tinham como chefe o Sr. J. P. Victor, Zelador da Câmara Municipal , a quem carinhosamente chamavam o "Chicuamanga-mor". Este senhor, além de varrer as ruas da cidade tinha que cuidar para que não faltasse a água e a luz pelos arranjos dos passeios e jardins. Havia uma razão para este termo ,“chicuamangas” : era o nome dado aos corvos( gralhas) que povoavam os arredores da cidade e faziam a limpeza dos detritos por ali abandonados. Os moçamedenses amavam “alcunhas” e poucos dos seus habitantes escapavam delas.
E , lembrando os tostões que as crianças juntavam... Apenas com 5 tostões era o suficiente pra comprar um saquinho de ginguba torradinha com casca na loja do Jaime Cariongo, um local sempre com um cheirinho delicioso de café torrado ali junto ao “Carvalho Oliveira “ e frente a uma alfaiataria . Ó delicia! Cheirava a café torrado, mas também ginguba torradinha com casca. ( amendoim).Haveria coisa melhor?
Outra gostosura que fazia a criançada juntar os tostões eram os tremoços, por sinal deliciosos os que chegavam a Moçâmedes.
E por falar em tremoços e voltando aos velhos hábitos da nossa terra... Havia um comerciante alo bem no centro da cidade ,muito tradicional e conceituado , que os vendia embrulhadinhos em papel jornal. Mas , claro que as crianças não davam a mínima importância a isso, salvo quando , quase que logo a seguir lhes atacava uma dor de barriga que se acabavam...
Conta-se que , duas amigas comeram demais , o que deviam e não deviam, e que quase foram parar ao hospital. Ficaram muito, muito mal. Ao serem perguntadas pelos pais sobre o porquê do exagero daquela comilança , responderam:
-“ nós sentimos que algo não estava bem , mas como não queríamos que as nossas irmãzinhas comessem as nossas sobras ao chegarmos a casa , tivemos de acabar com tudo para que elas não passassem mal”
Aconteceu numa época de Natal e andavam elas aos tremoços...Sim, as preferências eram diferente !Enquanto as mais velhas iam escondidas comprar tremoços, uma das irmãzinhas mais novas, ainda com 5 anos, andava a comer uvas passas na casa de amigos , queridos vizinhos ali perto ao antigo campo de futebol, a caminho da Aguáda. Era só lhes bater à porta e lá lhe aparecia na frente um prato de uvas passas a Srª Dna L.N..
Mas , aquela época de festas ia acabar e depois, como conseguir mais uvas passas assim, com fartura?
A pequenina Marília não perdeu tempo.
-Como se fazem uvas passas? - perguntou ela a uma das meninas da casa(a dos tremoços)
-Muito fácil. Pões uvas num pratinho ao sol e elas secam rapidamente. É só esperares alguns minutos e podes ir buscar as tuas uvas já secas -respondeu a Mª C.
Ah, não quis ouvir outra coisa: corria para a fruteira da cozinha , pegava uvas frescas, punha-as num pratinho e colocava-as ao sol.
E assim passou uma manhã inteira até lhe cair a “ficha” e descobrir que era a amiguinha mais velha a criar aquela grande paródia.
Crianças felizes da minha terra...
Lana
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