TAIOBA
Passo pela feira do meu bairro e leio na placa do verdureiro: “Taioba”. Repentinamente sinto-me transportado na “máquina do tempo”, rumo ao passado saudoso. Lá estou eu, seis anos de idade, ao lado de meu pai, no bonde de cujo número e destino já não me recordo, mas que, com certeza, passava no subúrbio onde nasci.
Sempre gostei das viagens de bonde. O pai me permitia sentar na ponta do banco, desde que eu prometesse ficar bem quietinho, além de entrelaçar, na minha, a sua poderosa e protetora mão. E lá ia eu olhando as casas que passavam e reparando melhor nos jardins, quando o bonde parava para recolher novos passageiros ou até mesmo para a descida de um único.
O motorneiro (assim era chamado o homem que acionava os controles do bonde) somente dava a partida quando o condutor (encarregado de conduzir a cobrança das passagens) acionasse, por duas vezes, a corda da sineta. Esta se destinava, também, a sinalizar quando um passageiro queria descer. Aí a corda era acionada uma só vez. Nessas paradas eu ria dos cachorros que latiam para o bonde; dos papelotes que as mocinhas usavam para tornar lisos os cabelos encaraco- lados; das trouxas de roupas que balançavam nas cabeças das lavadeiras, em fantásticos prodígios de equilíbrio, tudo pronto para a entrega aos fregueses; da algazarra que meninos e meninas da escola pública faziam ao tomar o bonde.
Nesse momento sinto a mão de meu pai apertar ligeiramente a minha, num costumeiro sinal de “atenção”. Olho para ele e vejo o indicador da mão que não me segura apontando para um veículo que eu ainda não conhecia e que acabara de parar à nossa frente.
Não era verde, como o que sempre tomávamos, mas marrom e não tinha o carro reboque usado pelo “nosso”.
- Vamos pegar esse aí hoje, pai? – perguntei curioso.
- Não, filho. Esse aí é o Taioba.
- Taioba? O que é isso?
- O Taioba foi um bonde criado para uso das pessoas que precisam transportar cargas ou objetos que não caberiam nos bondes comuns.
- Quer dizer que o Taioba pode levar as trouxas daquelas senhoras que lavam roupa pra fora?
- Exatamente, filho. Levam, também, outras cargas, como verduras e legumes de pequenos produtores; materiais de construção como tijolos, sacos de cimento e ferramentas de obras. Tudo isso desde que em quantidades e pesos razoáveis. Eles não têm bancos para as pessoas que carregam as mercadorias sentarem. Vão todos de pé, ao lado dos volumes.
- A gente pode viajar no Taioba, pai? Lá num cantinho, sem atrapalhar?
- Não, filho. O Taioba foi criado para transportar cargas que não caberiam no bonde comum. A passagem é mais barata do que a do bonde verde, porque a maioria das pessoas que faz uso dele é gente pobre.
- Agora entendi, pai. Foi uma boa ideia inventar o Taioba.
A voz do verdureiro me fez diluir a imagem do passado e me trouxe de volta à feira do meu bairro.
Percebi que várias pessoas me olhavam, enquanto eu continuava sorrindo, sem tirar os olhos da placa: Taioba.
- Vai taioba hoje, freguês? Está fresquinha.
- Vou querer toda a taioba que o senhor tem aí.
O feirante encheu várias sacolas plásticas com as verduras e, enquanto pagava, perguntei em voz alta para ser ouvido por todos que estavam próximos da barraca:
- A que horas passa o Taioba?