Ano curto, tempo longo

 

          O tempo é infinitamente longo, tudo que parece não se acabar, em relação à gente, parece infinito. Acontece, como numa demorada viagem, a criança, no banco traseiro, fica assustada com a distância e pergunta a cada instante, cansada: “Já chegou?”. Deus não se fatiga, sua longevidade ultrapassa os caminhos do tempo. Ele não se aborrece, apesar das tentativas de descontentamento que a humanidade Lhe tem causado. Também Deus não se cansa. Somente por conveniência artística do pintor, Michelangelo (1511), Deus está deitado, no afresco do teto da Capela Sistina, depois da criação de Adão, não para descansar, mas acordado e satisfeito. Apesar de que criar o homem e a mulher tenha sido a obra mais difícil, mais trabalhosa do que fazer céus, terra, fontes, rios, mares, florestas e toda a sorte de coisas e bichos. Acredito que o Criador continua incansável. Se Deus se cansasse, Ele deixaria de ser Deus ou pararia o tempo para descansar, assemelhando a ausência do tempo à escuridão da noite, consagrando-a para fechar os olhos, como acontece com a natureza.
          Mas o tempo não tem parado. Caminha ou corre incessantemente como um misterioso contínuo, o que faz com que a gente conte seus passos, na ponta do lápis, minuto por minuto, dia por dia, e assim como agora, ano por ano, rasgando as folhas do calendário e jogando as agendas rabiscadas do pretérito ao baú. Igual ao que se repete e como acontece hoje, o último dia de 2021; amanhã, o primeiro de 2022. É um filme, milhares de vezes, já visto. Mas quem não deseja vê-lo de novo? Tudo isso para contar a duração da nossa existência, festejando aniversários e sobretudo a entrada de ano, do chamado  Ano Novo.                                                                                                                           
          Há cientistas, como é o caso do meu amigo pesquisador Bernardo Boris Vargaftig, que afirmam as mudanças do tempo, quando não precisaremos de remédio, a saúde abundará, porém, o prazer de viver será decrescente, a partir, mais ou menos, dos 130 anos, pois cansaremos de existir, sofrendo profunda e angustiosa tristeza... Isso, convencidos da nossa finitude, diante da infinitude do tempo, não haverá ânimo e talvez forças para continuarmos a caminhar nessa longuíssima estrada. Então, vivamos o tempo de que dispomos, carpe diem! Queira ou não, o tempo é aquilo que corre e passa sem controle, em relação à nossa vontade. Nossas ilusões nos enganam , especialmente quando conseguimos realizar um trabalho, uma tarefa ou um objetivo difícil, e respiramos profundo: “Ufa! Deu tempo”. Nesse caso, não houve controle sobre o tempo, mas simplesmente nós nos controlamos no tempo, que nos foi dado. A maior preocupação é fazer tudo no seu devido tempo. Afinal, esse Ano Novo, como os outros, só tem 365 dias; e amanhã, 364...
          Hoje, na passagem do ano anterior para o posterior, festejamos a sensação de que vencemos mais uma etapa, e que outra iniciará, com dias venturosos que virão. Aliás, eles não virão, somos nós que devemos trazê-los. Nesse sentido, Santo Agostinho admoesta que não somos feitos pelo tempo, somos nós os capazes de fazê-lo, inclusive o tempo feliz. A felicidade não vem de fora, ela, em ato ou potencialmente, está dentro de nós, como semente ou fruto. Desejar “muito dinheiro no bolso e saúde” até para vender não significa a verdadeira felicidade. Caberá a todos nós a difícil tarefa de sermos felizes e assim os momentos e os dias se tornarão felizes; quiçá o ano de 2022. Coragem, cansar é humano, mas vencer o cansaço, também. Deus nos dá o modelo anímico: Ele não se cansa...