Miralda e o Ano Novo

Tarde nublada, ar nostálgico, um convite à reflexão.

Miralda rendida, encolhida no terraço, rabo enrolado pelo corpo, pensava.

O cachorro caminhava ao acaso, farejava aleatoria e displicentemente, procurava um local para se acomodar.

"Karev, quero conversar".

O cachorro, surpreso com o convite, imediata e irrefletidamente marcha a seu encontro, deita-se próximo - mantendo, porém, uma distância segura da gata.

A gata inicia: "Você percebeu a proximidade do ano novo? A humana comprando agenda, fazendo lista de metas..."

Karev, sentindo um frio na alma, responde: "Não havia atentado...mas...você está certa! E, agora, a aflição me toma. Preciso procurar um local para me esconder daquele barulho doloroso, imprevisível e desnorteador que invade essas redondezas."

Miralda assente: "Antecipei-me. Já sei onde me esconder, mas aviso: no meu local só cabe um!".

O cachorro solta um suspiro, lamentando.

Miralda continua: "Mas há algo intrigante...por que os humanos esperam a passagem do ano para transformar a vida, estabelecer metas, fazer promessas, se tudo não passa de um dia após outro?".

Karev reflete um pouco: "Talvez porque precisem de marcos para indicar e fortalecer recomeços - o raiar do dia, uma segunda-feira, sendo a passagem do ano bem significativa - são novos 365 dias para fazer a diferença".

A gata retruca: "Para que deixar para amanhã, para o outro ano? Para que procrastinar? Se há uma forte e pessoal decisão de mudar porque não logo hoje e agora? A humana todo final de ano insere as mesmas coisas na lista: emagrecer, alimentação saudável, atividade física - repetidamente e sempre. Deve ser frustrante! O certo é decidir e praticar logo!"

Karev não deixou de concordar, mas não se deu por vencido: "Sim, devem aproveitar o hoje, o amanhã é incerto. Mas para eles é inevitável sonhar e fazer planos de transformações para o futuro - sejam a próxima hora, o próximo dia ou ano. Antes de ser frustrante, para eles é como aquela planta do jardim repleta de espinhos: aguenta sol, ausência de água, mas não deixa de florir. Podem haver metas não cumpridas, decepções, mas sempre haverão novos dias e anos para recomeçar. A esperança é a florzinha que sempre brota em seus corações".

Miralda encostou a cabeça na pata, piscou pesadamente e disse: "Fiquei enfastiada com essa conversa e vou dormir - não amanhã - mas agora!".

O cachorro sorriu com a teimosia da gata, acomodou-se melhor, fechou os olhos; antes dormir, porém, fez votos para a próxima etapa: conquistar a amizade daquela irmãzinha felina e torcer por um feliz ano novo para toda humanidade.

Luciana Luz
Enviado por Luciana Luz em 30/12/2021
Reeditado em 30/12/2021
Código do texto: T7418333
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