PODE?
Um clássico ou um tema social? Hitchcock me agrada, mas Woody Allen sempre tem um lugarzinho especial na minha preferência.
Estou nessa dúvida de cinéfilo quando entra na locadora uma jovem sorridente. Cumprimenta o gerente e vai, vagarosamente, até uma grande estante de fitas videocassete, sem tomar conhecimento da minha pre- sença. A loja está em fase de reorganização e as indicações sobre temas, atores e diretores ainda são precárias.
Olho-a, discretamente. Bonita e confiante, ela cantarola, despreocupada, enquanto vira a cabeça, ora à direita, ora à esquerda, tentando ler os títulos.
Depois de algum tempo ela se dirige ao gerente.
- Oi, moço! Eu queria rever um filme que achei muito bom, mas não consigo localizar. Pode me aju- dar?
- E qual é o nome do filme, senhorita?
- Do nome eu não me lembro, mas era um com um ator alto e muito bonito.
- É pouco. Preciso de alguma “pista” mais precisa.
- Pista...pista...Ah, já sei: ele era louro e tinha olhos azuis.
- Humm...Alto, bonito, louro, olhos azuis...Vamos adiante. Diga mais alguma coisa, por exemplo, sobre o tema do filme.
- Ah, o filme era... assim... sobre o amor desse lindão por uma mulher também bonita. Agora me lembro bem: eles se beijavam no final do filme.
- Certo, eles se beijavam no final... A mulher era bonita e eles se beijavam no fim. É pouco, ainda é pouco.
- Pera aí! Ele torcia por um time de beisebol e ela, eu acho, não torcia por time nenhum, mas me lembro que os dois tinham dentes perfeitos.
- Senhorita, vamos fazer o seguinte. Anote aqui nesta folha de papel todas essas informações e eu prometo que vou fazer uma pesquisa profunda em nosso acervo. Entre os trinta e cinco mil títulos que temos, certamente vou localizar o seu filme. Tão logo consiga, eu entro em contato. Deixe o número de seu telefone, por favor.
- Ei, que papo é esse? Venho aqui querendo encontrar um filme, você não me ajuda em nada e ainda quer o meu telefone? Vá se catar, seu bolha!
E a mocinha saiu, pisando duro e batendo a porta da locadora com força.
- Que geniozinho mais danado! – arriscou o gerente, dirigindo-se a mim.
Nada respondi. Apenas balancei a cabeça, afirmativamente.
Escolhi um filme qualquer, paguei e encaminhei-me rapidamente para a saída, impressionado com a cena surrealista que presenciara. Ia tão distraído que acabei trombando com a “mocinha do filme”, tão logo abri a porta da loja. Ainda tentei me desviar, mas o esbarrão foi inevitável. Gelei, só em pensar no escândalo que ela certamente faria, diante de uma ocorrência banal do dia-a-dia, mas eis que a jovem, toda sorridente, enfiou-me um papelzinho no bolso da camisa e arrematou:
- Pra’quele bolha nunca que eu ia dar o meu telefone, mas vê se me liga, depois da novela das oito.