DOIS VERÕES: UM QUE HOUVE
Existe alguma relação entre o livro Frankenstein de Mary Shelley e meus poemas em Decalogias poéticas. Não pelo tema. No meu livro os poemas estão mais para o modernismo dos anos 50, escritos sob a influência dos poemas de Ferreira Gullar que eu tanto admiro.
Quero afirmar de início que verão e ócio é uma combinação explosivamente literária, seja em Léman, seja em Mutum.
O VERÃO QUE NÃO HOUVE
1816 foi um ano que não teve verão. Aconteceu que no ano anterior, nas longínquas Ilhas Orientais Holandesas, hoje Indonésia, ferveu sob a superfície terrestre a matéria-prima para uma tragédia que mudaria a história do mundo nos anos subsequentes. A devastação deu-se sob a forma de uma explosão vulcânica cataclísmica no monte Tambora. Foi, segundo especialistas, a erupção mais poderosa até hoje. Suas cinzas ocasionaram mudanças climáticas singulares na América do Norte e na Europa.
Hoje historiadores levantam a relação desta erupção com a derrota de Napoleão em Waterloo. “Em Waterloo, Napoleão poderia ter ganhado, e talvez seja por isso que nunca deixarão de ser escritos livros sobre aquela jornada”, dizia o historiador italiano Alessandro Barbero ao EL PAÍS numa reportagem por ocasião do bicentenário da batalha.
Os efeitos foram terríveis: A erupção provocou um frio que gelou as lavouras da América do Norte, onde ainda nevava em junho de 1816, e reduziu de forma notável as temperaturas na Europa, que chegaram a três graus negativos na Espanha em pleno verão. Na França, enquanto seu imperador era derrotado, multiplicavam-se os distúrbios pelo aumento do pão, por causa da falta de grãos. Segue o artigo do El País.
Mas a quem analisa o que foi produzido sob cinzas do Tambora, sobretudo na literatura depara com um marco importante atribuído como dano colateral do ano sem Verão, foi o fato de Frankenstein, considerado a primeira obra de Ficção Científica, ter surgido quando Mary Shelley, tendo passado uma longa temporada confinada à beira do Lago Léman, nos Alpes, devido às condições meteorológicas hostis que condicionaram as esperadas férias de Verão que não aconteceria, na companhia de Lord Byron, e John Polidori. Tendo sido lançado o desafio por Lord Byron de criar histórias de terror, Mary Shelley surgiu com o que viria a ser Frankenstein, Polidori criou algo que viria a dar origem ao romance “O Vampiro”, que mais tarde serviria de inspiração a Bram Stoker para o seu “Drácula”.
Baseado neste fato a ABERST (Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror) criou a Ghost Story Challenge, que consiste no desafio de isolar por uma noite escritores de crime e terror em algum lugar sugestivo.
O VERÃO QUE HOUVE
Na virada do ano 1996 para 1997 havia verão aqui no hemisfério sul. Eu estava engatinhando nos versos. Fiquei em casa e, ocioso, comecei a produzir poemas me inspirando em um livro com os melhores poemas de Ferreira Gullar. Tendo em mente alguns temas, peguei um caderno brochura e comecei a rascunhar dez poemas por dia. Comecei no dia 26 de dezembro de 1996, dei uma respirada no dia 31 e retomei no dia 1º de janeiro de 1997. Obra rascunhada até o dia 05. Não conhecia ainda a história da produção de Frankenstein por Mary Shelley. Eu estava mais para a literatura policial com os contos absorvidos em dois livros de Luiz Lopes Coelho e seu Dr. Leite.
Shelley publicara seu livro após dois anos e ter sua obra recusada duas vezes. Somente agora tenho falado da minha obra, mais de 20 anos se passaram daquele verão de 1996, com 180 anos de distância daquela reunião às margens suíças do Lago Léman. Em ambiente de tertúlia literária quando os escritores George Gordon Byron (Lord Byron), John William Polidori, Percy Bysshe Shelley e Mary Godwin (mais tarde Mary Shelley, após casar com Percy), entretinham dias de frio e chuva no seu refúgio de férias. Juntos, recriavam histórias de terror saídas da literatura gótica alemã.
Uma ideia interessante seria em um sábado de inverno, juntando a experiência do Corujando da Editora Andross com a Ghost Story Challenge da Aberst. Podemos denominar de Noite Byroniana. O que acham?