A OUTRA VERDADE
Toda verdade, por mais verdadeira que seja, tem algo a esconder,
É como se tivesse piso falso, bem disfarçado, cravado na sua pele.
Nele estão alojados certos podres da sua alma, que revelam o que de fato é, bem diferente do que ostenta aos quatro ventos.
A verdade, sabendo desse fato, faz de tudo pra parecer dona do pedaço, íntegra, absolutamente refratária a quaisquer desvios de conduta passíveis de vagar dentro de si.
Até que um dia, a verdade da verdade vem à tona.
Então toda aquele pompa absoluta, toda aquela soberba envolta em redoma de aço, cai por terra.
Daí a verdade se depara desnuda, atônita, esquece todo roteiro, erra o buraco da fechadura, fica com cara de tacho.
O entorno, ao flagrar essa farsa revelada, se desespera.
Porque sempre tinha a tal verdade em cotação máxima, acima do bem e do mal, incapaz de quaisquer derrapadas ou rebarbas no seu caminho.
O desespero do entorno é tal que a começar a ruir, se detonando parte a parte.
O caos se instaura.
No meio daquele frenesi, prestes a jogar a toalha, o entorno pede encarecidamente â verdade que reconsidere seu papel, que faça algo para impedir que tudo vá por água abaixo, clama aos céus, ao diabo, a quem for. Em vão.
Depois de tanto chororô, tanta ladainha, tanta súplica incessante, a verdade resolve acatar o pedido.
Vai buscar em algum baú uma nova fantasia, um tanto surrada pelo desuso, e se troca, por dentro e por fora, contrariada toda vida.
Quando o entorno percebe a verdade com nova alegoria, reacende seu tacho e traz de volta o brilho e as miçangas da alegria ameaçadas de irem ao lixo.
Assim tudo volta ao normal, como se nunca tivesse passado por aquele tsunami todo.
E a verdade volta a ser verdade, com toda pompa e soberba de sempre.