Argentinos de volta
Vou ao supermercado em missão muito especial: encontrar tempero baiano. Teria que perguntar, pois são várias prateleiras com toda espécie de ... especiarias. Meio inseguro, acho melhor perguntar a uma senhora, alheia ao movimento, olhos fixos, porém, nos sachês, caixas, vidros e outras embalagens que guardam os segredos da culinária mundial.
- Senhora, poderia me dizer onde está o tempero baiano?
Tirada de sua concentração, a mulher reluta um pouco e diz, com indisfarçável sotaque argentino:
- No, no sé.
Ao captar o sotaque hermano, digo "gracias" e pergunto se mora no Paraguai. É que não me lembrava da recente reabertura da fronteira argentina, depois de quase dois anos fechada pela Pandemia. Assim respondeu:
- Não, não moro. Vivo em Puerto Iguazu. Vim aqui porque já podemos sair de lá, depois de dois anos fechados pela Pandemia. Não vim comprar, só me distrair. Estava morrendo de saudades de caminhar por aqui, olhar as vitrines, ver o movimento de Foz. Para comprar volto outro dia.
E emendou:
- Quase dois anos. Não parece muito, mas nesse tempo perdi minha mãe para essa doença, minha filha se separou... Muitos problemas, entrei em depressão. Andar por aqui, olhando isso e aquilo, escutar português, ouvir espanhol de turistas de todo lado do mundo... ai que bom que posso me distrair passeando por aqui.
Com a recente reabertura da fronteira argentina, os brasileiros também se movimentam e cruzam o rio Iguaçu para abastecer veículos, ir ao "duty free", jogar no cassino, comprar vinhos, embutidos, "croissants" e chocolates, comer um 'bife de chorizo'", ou, simplesmente, para dar um passeio no e ao exterior. Apenas dois anos, mas as surpresas são muitas. As placas de carro modelo Mercosul, a moeda inflacionada com novas cédulas, é preciso ter um novo câmbio na cabeça e bolsos maiores para carregar o dinheiro de um "croissant" amanteigado. Porque estavam, também, morrendo de saudades desse contato. Muitos brasileiros têm parentes em Puerto Iguazu e nas outras cidades da província de Missiones, nunca foram completamente estrangeiros, haja vista que muitos "hermanos misioneros" falam o português quase sem sotaque, graças à tv aberta que assistiram desde crianças.
Então, devagarinho os argentinos estão voltando. São os "misioneros", da Província de Misiones, estreita faixa de terra que avança para o sul. Puerto Iguazu, cerca de 40 mil habitantes, está a 1.278 km de distância de Buenos Aires, tem seus próprios atrativos, seu sotaque, sua personalidade "misionera", sua herança guarani. A Tríplice Fronteira, sem dúvida, depende dela para ser completa.
Pois então, os argentinos estão voltando. De novo o sotaque faz compras, o sotaque olha vitrines. A cada dia aumenta o número de carros transitando de novo por Foz do Iguaçu. Vêm com as antigas placas de seis dígitos, fundo preto, letras e números brancos, mas a cada dia aprecem mais as de padrão Mercosul, azuis e brancas, de sete dígitos. Seu reaparecimento traz de volta o elemento que faltava à normalidade da Tríplice Fronteira.
Voltando para casa, só tinha história pra contar, da encomenda mesmo me esqueci completamente. Me salva o aplicativo do supermercado: confirmo por ele que não têm tempero baiano. Agora é programar imediatamente um passeio aos vizinhos hermanos e, principalmente, saborear "croissant" com "submarino", não importa se o verão de 2022 é causticante. Não seria má ideia, de jeito nenhum, dar um passeio ao moderno aeroporto da cidade, com voos internos diretos a Buenos Aires, Córdoba e Rosário. Antes da Pandemia, já se voava para Madri e havia negociações em andamento para início de voos a Dallas, Texas, EUA. As cataratas do lado argentino também trazem gente de todo lado do mundo para a região das Três Fronteiras. Só não sei se encontraria na simpática Puerto Iguazu o difícil tempero baiano, mas, de repente... Afinal de contas, o mundo virou mesmo uma pequena aldeia.