Rasgando papéis

 

          1. Estou rasgando papéis.

          Faço isso todos os anos quando o Réveillon se aproxima.         

          Gosto pouco do Réveillon e perdoem-me a franqueza. O Réveillon soa como despedida e odeio dizer adeus. A depender de quem digo adeus, choro. 

          2.  Que papéis são esses? São recibos de água e luz devidamente quitados; carnês do IPTU; do IPVA e do condomínio; extratos e boletos bancários, que rasgo sem sentir saudades. Comprovantes do pagamento de compras usando os famigerados cartões de crédito. E outros papéis que vão aparecendo quando vou abrindo meus arquivos e minhas pastas.

          3. No meu Ourocard, está o maior problema: consigo quitá-lo no final de cada mês, mas, no dia seguinte, estou devendo ao banco. Compro muita coisa com cartões. Tanto, tanto, que, nos meus cochilos, acordo ouvindo alguém me perguntando: débito ou crédito? Acordado, sempre opto pelo crédito, na doce ilusão de que o débito é mais cruel.

          4. Diante da dura realidade dos cartões, faço promessas como a de usá-los o menos possível; de, no próximo ano, ser menos gastador; de só usar cartões nos supermerdos. Certo, porém, de que esta última promessa nunca será cumprida. Não tenho como evitar os Shoppings e os restaurantes, quando quero fugir dos quitutes domésticos. 

          5. Nos Shoppings, as livrarias. Visito-as e compro livros. Como não comprar livros, se eles são meus companheiros de todas as horas? Estou sempre à procura dos últimos lançamentos. Dou preferência aos livros de crônicas, com a dolorosa certeza de que, como um eterno aprendiz de cronista, jamais escreverei com a beleza dos  meus cronistas prediletos.

          6. Pois é, quando o Réveillon se aproxima, como disse, começo a rasgar papéis.                Me lembro que houve um tempo em que, com o coração sangrando, rasgava cartas, que me prometiam "amor eterno"; que me revelavam surpreendentes segredos e traziam as mais doces juras. As cartas de amor desapareceram. Agora é a vez dos insossos Whatsapps, que pouco dizem, quando é o coração que tem a palavra. 

          7. Rasgando papéis, escrevo esta curta crônica, despedindo-me de 2021 e prometendo ser, em 2022, um sujeito menos gastador. Como um franciscano, no dia  primeiro de janeiro de 2022, farei um "voto de pobreza", para ser o máximo contido nos meus gastos. 

          Que São Francisco de Assis, por mim escolhido como meu protetor, faça de conta que não ouviu a promessa que acabo de fazer e querem saber porquê? Porque dificilmente cumprirei o voto ao qual  me proponho em 2022. Eu me conheço.

          FELIZ ANO NOVO, pessoal!      

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 28/12/2021
Reeditado em 29/12/2021
Código do texto: T7416739
Classificação de conteúdo: seguro