ESSA MERECEU VIVER
Vez por outra encontramos baratas no nosso apartamento.
Essas criaturas sobreviveram aos tempos e aos ataques
recebidos com bravura invejável, o que não deixa de lhes
conferir certo mérito.
Quando flagro alguma delas, o instinto manda pegar o
chinelo e condená-la à morte sem direito à defesa ou apelação.
Assim fiz há pouco, ao ver uma delas de costas pra baixo no corredor.
Lá fui eu cumprir o papel de carrasco, de chinelo na mão
e pronto pra deferir o gesto fatal, sem dó nem piedade.
Na hora de esmagá-la, pasme: desvirou e saiu correndo,
sabe lá por onde.
Parece que ressuscitou ou acordou de certo estado de
letargia ou dissimulação de morte. Vai saber.
Minha ânsia assassina fez com que fosse atrás dela
pra terminar o serviço, sedento pra lhe dar violento fim.
Mas foi mais esperta do que eu e se escondeu em algum canto,
bem camuflada e protegida.
Assim foi suspensa sua sentença fatal e, reconheço,
essa mereceu continuar viva.
Ponto pra ela.