Eu corro na direção de mim

Sentada enquanto escutava ao longe você sempre corriqueiro e brilhante, falava de procedimentos bancários como se tivesse descoberto uma maneira de controlar o tempo. Bem à frente de mim podia ler as letras em vermelho: 'acesso restrito'. Dessas coincidências inconvenientes.

Fazia naquele momento um esforço descomunal, eu queria ali pegar metade da sua dor, eu sempre fui melhor amiga que namorada...

As pessoas ao redor pareciam n saber viver um luto. Sim. Até isso eu acredito que exista um jeito certo. E não tem. Até pq o luto é uma obrigação. Olhando o corpo inerte daquele que foi tb meu amigo eu sentia o domínio de mim se esvaindo. A cada vez que ia até corpo imóvel, refletia. Te ver torna tua decisão impossível p mim. É isso. Sem mais.

Meu arranjo tava definido. As memórias evocadas dos objetos iam significar qlqr coisa nova. Se meu corpo de 32 pode ser repetido e ir viver coisas novas, pois eu toda e meus objetos iam buscar ser de novo. Eu vou guardar lembrança nova de memória velha. E tudo bem se de início meus objetos e corpo não souberem bem o que estão fazendo. Se meu corpo estranhar-me suborno-lhe. Se meu coração estranhar, engano-me. Se minhas pernas me traírem tremendo, disfarço.

Saio acusada de ter sempre sido eu em primeiro, então p fazer jus ao título decido me respeitar e preciso te oferecer a primeira e mais pesada ausência. Saio pq meu corpo todo avisa que se eu ficar talvez eu n consiga pagar esse preço. E ansiedade tá na moda. Credo, se resolvem me fazer uma promoção. Duas ou três pelo preço de uma num corpo pequeno, isso pode ser um estrago. Vc acha que foi. Não saberemos o que foi...mas

Na despedida do seu grande amigo e irmão tb eu não saio de mãos vazias...ele me disse: não se culpa. E eu vou fazer isso. Por enquanto carrego a tristeza dessa partida sempre ridícula e sem explicação. Eu olho mais uma vez o corpo inerte, confio às memórias dele o papel de te reerguer, reconheço a serenidade de sempre nele, mas não reconheço nada em vc, e isso faz meu corpo todo entender minha decisão de agora. Ao sair te ofereço do msm abraço recebido e comprovo todas as palavras da semana anterior. O acaso ainda permite uma outra despedida e há uma facilidade em me deixar só. Então tá tudo escuro, os carros passam alheios ao meu sentimento, ao me virar e caminhar na direção oposta a sua, o peso junto das sensações de ansiedade vão magicamente me abandonando...então eu caminho mais rápido, ergo a cabeça e me vejo a frente.

Eu corro na direção de mim.

Suze Rodrigues
Enviado por Suze Rodrigues em 28/12/2021
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