TÃO DISTANTE E TÃO PRÓXIMO: OS ANÚNCIOS DOS SINOS DE BELÉM E DE BRASÍLIA

Há pelo menos dois aspectos nesse contexto que muitos ignoram e outros subestimam: a ambição do PR e os grupos de interesse que o orbitam.

Claudio Chaves

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SE JÁ chamava a atenção um País de população quase 100% declarada cristã ter uma capital homônima da cidade onde nasceu o Salvador, imagine ter na Presidência desse mesmo País ninguém menos que o Messias!

SEGUNDO a melodia popular cristã, o “sino pequenino, sino de Belém”, anuncia o nascimento do Menino Jesus, que traria amor e justiça a Terra e paz, especialmente aos homens de boa vontade.

MAS e o sino de Brasília, anuncia a chegada de quem ou do que? Como interpretar a mensagem do casal presidencial? Existe, no curto discurso, subjetividades a serem depreendidas? A mensagem foi dirigida ao Brasil ou especialmente a um grupo de brasileiros?

ESSA não foi a primeira – e certamente não será a última – vez que, de forma deliberada, consciente e intencional, o Presidente da República (PR), ora por si ora através de assessores, faz apologia direta, ao vivo e em rede nacional, a ideologias como o nazismo e o fascismo; desta vez, usando a Primeira-dama, que, em sua mensagem natalina, invocou o lema da antiga AIB – Ação Integralista Brasileira (“Deus, Pátria e Família”), “o mais bem desenvolvido e bem-sucedido movimento fascista latino-americano”, segundo Leandro Pereira Gonçalves[1]

HÁ PELO menos dois aspectos nesse contexto que muitos ignoram e outros tantos subestimam: a ambição do PR, associada a sua inescrupulosidade, e os grupos de interesse que o orbitam, não menos ambiciosos nem mais escrupulosos, porém mais bem servidos de intelecto, com maior poder de penetração em todas as camadas sociais – com destaque para as mais vulneráveis social e economicamente –, melhor planejamento e melhores estratégias. Entre estes, se destacam o grupo dos partidos do “Centrão” – o mais fisiológico e mercenário de todos – e o dos evangélicos[2], que sempre fingiram ser base de apoio do PR – como o fizeram com Lula e Dilma –, quando, na verdade, usam-no como trampolim para o seu mais ambicioso projeto: a chegada à Presidência da República, o que pretendem não necessariamente elegendo diretamente o próprio presidente, mas, primeiramente, dominando o Congresso Nacional, as Assembleias Estaduais e as Câmaras Municipais – além de ter no Judiciário representantes “terrivelmente evangélicos”. É um aparelhamento que vem de décadas, com ações bem planejadas, metas estipuladas, treinamento e muito, muito dinheiro (nem sempre legal) envolvido.

ORA através de discursos (como o da Primeira-dama, às vésperas do Natal e o do ex-secretário nacional de Cultura, Roberto Alvim, por ocasião do lançamento do Plano Nacional de Cultura) ora através de gestos, como o símbolo (White power) da supremacia branca feito também ao vivo e em rede nacional por um assessor da Presidência em evento no Senado Federal, ou mesmo em documentos oficiais, como na Carta em que o PR finge arrependimento pelo show de asneiras proferidas durante a fracassada tentativa de golpe no Sete de Setembro, a mensagem é a mesma: sob o mais antigo pretexto para golpes totalitaristas no Brasil e no mundo após a II Guerra Mundial (prevenção contra o comunismo), o objetivo do PR e seus apoiadores críticos e conscientes é trazer de volta ao seio da sociedade brasileira o convencimento de que somente um governo forte, centralizador, personificado na figura de um líder populista, demagogo e autoritário, um governo que, propositalmente, mescle o pessoal com o institucional e o secular com o sagrado pode garantir o desenvolvimento, a grandiosidade, a ordem, e a felicidade da Nação – uma imagem perfeita do autoritarismo fascista, tão distante quanto as atrocidades nazistas do século passado e, ao mesmo tempo, tão próximo (e tão atraente) quanto o outdoor inocente no santuário da pequena cidade do interior.

E ASSIM, enquanto o sino de Belém, segundo a canção popular, anuncia o nascimento do Messias como o Salvador da humanidade da maldição do pecado, o de Brasília, há tempos, por diferentes meios, anuncia o renascimento do nazi-fascismo o qual, segundo o Messias dos Trópicos e seus seguidores, será a salvação da humanidade contra o maior de todos os sacrilégios: a maldição do comunismo.

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1. Historiador e escritor. Autor do livro Fascismo em Camisas Verdes: do Integralismo ao Neointegralismo. FGV Editora, 2020.

2. Aqui empregado em referência especial a grupos cristãos pentecostais, neopentecostais e católicos autointitulados conservadores defensores da teocratização do Estado, o que, além de ser uma proposta antidemocrática, é um completo contrassenso aos princípios basilares do cristianismo.