AGORA QUE O NATAL PASSOU
Na semana passada, ainda faltavam alguns dias para o Natal, eu ainda não sabia o que fazer para dar continuação ao meu hábito de escrever um pequeno texto onde mostro os sentimentos residuais desse ano que se aproxima do fim.
Mas numa hora em que fui ao café ali da esquina, comer um bolinho e beber “uma bica” ( que é a nossa maneira tuga de dizer "tomar um cafezinho" ), esse problema resolveu-se e eu passei a saber exatamente o que escrever.
Na mesa ao lado da minha, duas comadres conversavam a respeito do Natal. Uma delas, muito despachada e com o cabelo cortado à homem, dizia à outra que o Natal não era nada dessas coisas das lojas e dos presentes, dos meninos pedindo coisas ao Pai-Natal ( que é o Papai-Noel ), tirando fotos com um barrigudo vestido de vermelho e com barba branca.
Queixava-se do excesso de consumismo, usava daquelas palavras que os políticos usam, e lá ia dizendo que a tradição dos presentes era uma porcaria, que era uma injustiça para alguns, e era óbvio que dizia coisas sobre as quais nunca tinha pensado sequer um minuto. Além disso, usava uma linguagem com tantos palavrões que me fez pensar que, no resto do ano, ela com toda a certeza não seguia em nada essa tradição mais religiosa e austera que ela agora, publicamente, achava que devia ser seguida por todos.
A outra comadre, claramente uma pessoa de poucas posses, gordinha e com ar de ser vovó de alguém, usava um casaquinho de malha já bem puído pelo uso. Acenava concordâncias com a cabeça sem dizer quase nada, enquanto ia olhando meio-triste para a xícara de café já vazia.
Tinha pendurada nas costas da cadeira uma sacola de plástico com alguns presentes comprados na loja do chinês, ali do lado, todos eles pequenos e embrulhados no mesmo papel verde com bolinhas brancas, que eram ornamentados com laçarotes de fita vermelha.
Imaginei que ela devia ter passado bastante tempo na loja até que um grupo de meninas fizesse os pequenos embrulhos de presente. Eu conheço o dono da loja e sei que todos os anos ele tem de contratar gente para embrulhar as compras dos clientes nesta quadra festiva.
Nas costas da primeira comadre, não havia sacola de espécie nenhuma. Por cima dos ombros dela, enquanto a escutava falando sem parar, olhei lá para fora e vi a agitação da rua. Observei os carteiros que saíam da estação dos correios que havia ali do lado carregando grandes sacos cheios de encomendas para entrega. Colocavam-nos no carro e voltavam várias vezes para buscar mais antes de começarem a sua distribuição.
Enquanto isso, ao café onde estávamos chegavam dois homens entregando uma grande quantidade de caixas de bolo-rei, que é o nosso bolo tradicional desta época. Desses bolos, aqueles que não foram levados imediatamente por fregueses que já tinham comprado e pago, e que apenas os aguardavam, foram empilhados sobre uma mesa que tinha sido colocada na ponta do balcão para recebê-los. Duas meninas, contratadas durante a época de Natal para esse fim, cuidavam de embrulhá-los e entregá-los. Todo o café estava ornamentado com fitas coloridas e bolinhas brilhantes de cores muito alegres.
Pensei na minha própria família, nos presentinhos que sempre nos damos nesta época, na alegria que sentimos quando nos juntamos junto à arvore de Natal, e rapidamente a conversa das duas comadres se tornou sem interesse.
Por um momento desliguei-me delas enquanto pensava nos milhões de pessoas que, no mundo inteiro, trabalham em fábricas que produzem artigos para consumo na época de Natal. Pensei naqueles que fabricam os papeis de embrulho, maravilhosos e brilhantes, nos que fabricam as fitas, as bolinhas para enfeitar as árvores, nos que fabricam brinquedos para as crianças, nos que fabricam roupas, velas, caixinhas, canetas, sapatinhos, gorros... Tudo! Pensei nos que escrevem livros, nos que contam histórias, nos que fazem músicas, programas de televisão, filmes, trenós, enfeites...
Enquanto pensava em tudo isso, veio à minha cabeça como foi forte a mensagem desse homem que um dia, há mais de dois mil anos atrás, veio ao mundo e nos marcou tão profundamente com a sua simplicidade e o seu exemplo. O Natal, a celebração do nascimento desse homem extraordinário, criou um consenso de tal ordem que o planeta inteiro, independentemente das crenças e da fé envolvida, independentemente da situação de paz ou de guerra, independentemente de tempos mais ou menos difíceis, se foca em torno dessa data, e a celebra. Um único dia no ano, todo o planeta, todos os países, todas as gentes celebram o Natal.
E apesar de haver exceções, como a esmagadora maioria das pessoas no mundo nesse dia opta por aquela que é uma mensagem de amor e de esperança, se vira para a família e escolhe o melhor em vez do pior, tenta genuinamente melhorar aquele pedacinho de mundo onde vive, acrescentando-lhe beleza e brilho, fantasia e boas intenções, eu continuo achando que jamais devemos deixar que se perca a mensagem dessa celebração que mexe com o imaginário e a fantasia de todos nós. Para mim, com todos os defeitos que possa ter, o chamado consumismo gera empregos e dá pão a quem trabalha, e permite que o sonho que aproxima as pessoas da mensagem de Natal se concretize.
A minha atenção voltou depois a focar-se nas duas comadres na mesa ao meu lado quando, subitamente, aquela que falava que nem uma matraca se calou. Olhei para elas. A outra com ar de vovó tinha-se levantado da sua cadeira e pegado num dos presentes que trazia na sacola com ambas as mãos. Oferecia-o agora, emocionada e com um sorriso, à sua amiga.
No silêncio que se seguiu nasceu tudo o que eu queria escrever este Natal:
“Somos nós quem faz as Boas Festas. Que a fantasia e a imaginação, tão vívidas nos rostos das nossas crianças ao receberem presentinhos e celebrarem o Natal, nos sirvam de guia. Não deixemos que falsas discussões desvirtuem a mensagem de amor que o nascimento de Jesus contém.”
Boas Festas !!!