Moinho do abraço

Nesta semana, depois de 1 ano e 3 meses e de duas doses de vacina para todos os colaboradores presentes, ocorreu a de maneira presencial a confraternização de final de ano da empresa em que trabalho. Não vou romantizar o trabalho, afinal, trabalho, por melhor que seja, ainda é trabalho, mas admito e reconheço que trabalho em uma boa empresa, mais ainda, com boas pessoas. Sendo assim, ainda que seja feito um esforço para dissociar vida pessoal e profissional, muitos ali acabam se tornando amigos; projetos difíceis, clientes difíceis, dias de trabalho difíceis e tempos difíceis, principalmente, requerem boas doses de companheirismo e parceria, quando não, de amizade.

Naquela tarde pré-verão (pré mesmo, o verão chegou às 12:59 daquele dia, eu cheguei à festa 12:30), eu estava indo encontrar pela primeira vez muitos amigos e pessoas que haviam sido figuras constantes e positivas em minha vida durante boa parte dos últimos quase 2 anos. Quando cheguei ao local do evento, muito antes de falar, muito antes de rir, muito antes de qualquer coisa possível, eu abracei. Por pelo menos 5 minutos tudo que fiz foi andar pelo espaço principal abraçando todos aqueles que haviam sinalizado previamente que estavam receptivos ao abraço.

Não me lembro de falar algo com profundidade, me lembro de abraçar. Andar e abraçar. Abraçar e andar, em alguns momentos, abraçar pessoas que eu sequer sabia quem eram. Depois dessa catarse inicial, me recordo de comentar com uma amiga: bom, agora eu preciso voltar e conversar com todo mundo que eu abracei.

A catarse não foi vã, durante quase 2 anos estivemos impossibilitados de abraçar, para mim, que sou amante da pele a pele, foi duro me adaptar a ditadura do não abraço. De um dia para o outro, a expressão máxima de afeto físico passou a ser proibida, sob pena de morte. Subitamente, afeto passou a ser a ausência de abraço, de toque e de calor. Foi duro. Foram longos 2 anos difíceis.

Mas, agora, com a vacina, com redução de casos de contaminação e de óbitos, bem como um número maior de vacinados, pouco a pouco, ainda olhando para os dois lados de uma pista de mão única, vamos retomando. Pouco a pouco o abraço vem sendo retomado, aquele abraço cheio de saudade, de afeto, de reencontro, aquele abraço de dois amigos que, como diria Louis Armstrong, realmente quer dizer: “eu amo você”. Um abraço de sobreviventes, o abraço de quem acreditou que dias melhores viriam, o abraço de quem confiou e esperou pela melhora da vida. O abraço de quem fecha os olhos e sorri, não porque a vida está boa ou fácil, e justamente por isso o sorriso se faz ainda mais necessário. O abraço de quem confiou no retorno da alvorada.

Clareou. Naquele dia, fui mais feliz do que achei que pudesse ser. Se você trabalha comigo e está lendo esse texto, certamente já deve ter visto 3 ou 4 vídeos meus no grupo da empresa pulando enlouquecidamente na pista de dança ao som de algum axé que não me lembro qual. A vida é dicotômica, é o ying e o yang. Para mim, está absurdamente longe da facilidade, mas, como Alice Walker, acredito que tempos difíceis exigem danças furiosas. Ao pensamento de Walker, inclusive, faço um acréscimo: abraços furiosos e afetos furiosos. Tempos difíceis pedem respostas à altura.

Na catarse de encerramento do ano mais furioso da minha vida, entrego a ele todos os meus sentimentos em sua intensidade mais bruta. Sem medo, aberto, desnudo. Feliz.

Alguns dias após a festa, encontrei meu analista. Última sessão antes das férias dele, eu sabia, ainda que ele ainda não houvesse feito o anúncio.

Foi graças às férias do ano passado, que comecei a escrever as crônicas e, pouco depois, comecei a publicá-las aqui, no RL. Cada minuto daquela sessão foi importante. Normalmente é ele quem encerra, mas naquela que eu sabia que era a última do ano, eu quis terminar. Era importante reconhecer qual era o meu limite e por que aquele era o limite.

“Eu quero parar agora, aqui, bem nesse ponto. Eu tô feliz. Você nunca me ouviu terminar uma sessão dizendo que tava feliz, né? Eu tô feliz, vamo parar aqui. Vamo parar no ponto que eu tô feliz”

Paramos ali. Paramos aqui. Paramos felizes. A vida é esse moinho louco de sentimentos e sensações; Insanamente lindo.

Sei que deveria ser bem melhor, e SERÁ! Mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita.

Pedro H Ribeiro
Enviado por Pedro H Ribeiro em 25/12/2021
Reeditado em 25/12/2021
Código do texto: T7415046
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