CRIME A CONFESSAR
CRIME A CONFESSAR
Aí por volta dos meus cinco anos de idade eu acreditava, como a maioria das crianças da minha geração, em Papai Noel.
Meu pai era sempre o encarregado de escrever as cartinhas pedindo brinquedos, que geralmente não vinham porque os rendimentos familiares eram muito baixos. A mãe costurava para fora e o pai batalhava em banco particular numa época em que não se trabalhava aos domingos, mas também esses dias não eram contados para pagamento do salário. Assim, a bicicleta dos meus sonhos jamais chegou e o motivo alegado era o de sempre: eu não me comportara bem durante o ano e Papai Noel, sabedor disso, não colocara o brinquedo no seu famoso saco.
Minha mulher, que é psicóloga, quando contei o que ocorria na minha infância na época de Natal, ressaltou que aquilo era um procedimento incorreto dos meus pais porque criava na criança, um sentimento constante de culpa.
- É melhor dizer que Papai Noel, por estar bem velhinho e ter tantas encomendas a atender numa só noite, às vezes se esquece de colocar no saco alguns pedidos de crianças - arrematou minha cara-metade.
Ainda tentei argumentar que, daquela forma, também se poderia estar minando a imagem mágica do Bom Velhinho, mas ela foi definitiva:
- Melhor inventar desculpas, do que pôr culpas numa criança.
Depois de dois “esquecimentos” seguidos de Pa- pai Noel, comecei a pensar, usando aquela lógica infantil, que às vezes até se parece com a dos adultos:
“Pera aí! Eu fiz tudo direitinho no ano passado. Não respondi aos papais; não brinquei durante as aulas; fiz todas as lições e até tirei nota 100 algumas vezes; comi tudo que me botaram no prato, inclusive aquele ensopadinho gosmento de quiabo, e vem a mamãe me dizer que eu não ganhei a bicicleta porquê o Papai Noel acha que eu me comportei mal? Sabem de uma coisa? Eu não vou mais pedir droga nenhuma de bicicleta, porque ela é grande e o Papai Noel já está fracote e não aguenta ela nas costas, junto com os outros brinquedos. Aí ele fica inventando que eu não me comporto bem. Não quero mais saber dele. Daqui pra frente, quando quiser andar de bicicleta peço a do meu amigo que mora aí ao lado . Parei com o Papai Noel. Pra mim ele morreu, a partir de hoje.”
Foi assim que matei o Papai Noel, aos cinco anos de idade.
Este “crime” me pesou na consciência durante alguns anos. Quando hoje ele volta a me atormentar, deito no divã e chamo a minha mulher.