Primeiras vezes
- Não sou muito boa com primeiras vezes. – Gabi falou, sem olhar diretamente para mim.
Não respondi, e apenas me recostei na cadeira do bar, buscando uma posição que incomodasse menos as minhas costas.
Gabi se serviu de um pouco mais de cerveja e abriu um sorriso amarelo.
- As coisas nunca começam bem pra mim. Ou eu me emociono demais, ou de menos... com o tempo é que eu consigo encontrar...
Ela parou de falar, deixando o pensamento no ar como se fosse um jorro de fumaça na minha cara e tomou mais um gole de cerveja.
- Encontrar o que? – perguntei sem conseguir disfarçar a curiosidade...
- Equilíbrio... balanço... paz. Só o tempo consegue abrandar os meus excessos...
- Você parece uma pessoa bem tranquila pra mim.
- É porque você não me conhece de verdade.
- Pode ser isso mesmo.
Gabi sorriu e levou a mãos aos cabelos.
- Eu odeio dormir sozinha. Odeio ter uma vontade e não poder saciar. Odeio falar sozinha... Eu sou uma péssima companhia pra mim mesma. Mas também odeio responder perguntas sobre mim. Não suporto ser cobrada. Não suporto expectativas. Nem as que eu crio, nem as que criam sobre mim.
- Não deve ser fácil ser assim.
Gabi soltou um risinho com o canto da boca e finalmente me olhou nos olhos.
- Você não faz ideia.
Enchi os nossos copos novamente e fiz um sinal para o garçom trazer outra cerveja.
- E você ?- ela perguntou – Eu sei muito pouco sobre quem você é...
- Eu sinto que posso ficar horas falando sobre mim, e no fim você vai continuar sem saber...
- Ninguém é tão complexo assim...
- Não é questão de complexidade. Só acho que eu não me entendo o suficientemente bem para me descrever para outra pessoa.
- Você pode tentar.
Tomei um gole do meu copo e olhei diretamente para os olhos de Gabi. Parecia que enfim eu tinha conseguido capturar um pouco da atenção dela.
- As pessoas em geral chegam a conclusões erradas sobre mim, quando levam em consideração as coisas que eu deixo escritas por aí, ou o que eu digo numa conversa de bar. Ninguém mostra tudo de si nesses momentos. Você disse que odeia falar sozinha... Mas eu passo a maior parte do meu tempo fazendo isso... E também acho que eu não devo ser a melhor das companhias. Enfim. Eu acho que eu sou um cara muito só. Mesmo que eu esteja acompanhado. Eu acho que amo demais, provavelmente nos momentos errados... Amo as pessoas erradas... frequentemente perco a hora... frequentemente me perco nos meus pensamentos e no que eu sinto. Estou perdido agora... Estive perdido nos últimos anos. Não sei se vou me encontrar novamente um dia. Mas o relógio nunca deixa de andar. E mesmo que eu esteja parado, o tempo e o mundo vão me arrastando pra frente. Eu sinto que existe um vazio dentro de mim, que eu já tentei preencher com um monte de coisas diferentes. Trabalho, álcool, sexo, pessoas... Mas nada disso bastou. Talvez até tenham tornado as coisas piores, por causa dos meus excessos. E por isso eu permaneço só. E acho que é até melhor assim.
Gabi passou alguns segundos pensando, depois que parei de falar e no fim deu uma risada como se tivesse ouvido uma piada.
- O que foi?... perguntei um pouco irritado.
- Desculpa... não estou debochando nem nada...
- E o que é então?
- Ouvindo tudo que você disse, eu só senti que perdi boa parte da minha vida tentando mergulhar em água rasa e achando que era só isso que tinha no mundo pra mim... e agora, em dez minutos de conversa eu só consigo olhar pra você e ver um oceano... Por mais que eu olhe eu não consigo ver o fundo.
- Não acho que isso tudo seja uma coisa boa.
- E quem disse que tem que ser? Quem disse que tem que fazer sentido?
- Ninguém... mas...
Gabi se aproximou e me calou com um beijo.
- Eu não estou nem aí pras consequências... É a primeira vez que eu me sinto assim com uma pessoa.
- Você me disse que era péssima com primeiras vezes...
- Pois é. Mas tanto faz. Eu quero mergulhar... – Ela falou, antes de sentar no meu colo e me beijar novamente.
Segui com ela, naquele abraço desesperado...
Fechei os olhos enfim, respirei fundo,
tentando não ser afogado.