A ansiosa espera pelo mesmo

Todos reclamam.

Seja do povaréu que desce para a praia nestas épocas, do trânsito caótico ou simplesmente pela bendita uva passas em todas as coisas, todos reclamam da delícia que são as festas de fim de ano.

Esperamos ansiosamente por estas duas últimas semanas do ano em que algumas rotinas deixam de existir para que outras coisas igualmente rotineiras sejam colocadas em seus lugares para que, ao fim, tudo seja mais ou menos parecido ao que foi em outros anos.

Talvez a maior alegria de todas seja a presença das mesmas pessoas na celebração. Um sinal de que ninguém da família nos deixou.

Consequentemente, vão se repetir as piadas, as estórias e causos, as conversas sobre o trabalho, o jogo de futebol, sobre as crianças crescendo, sobre os adultos envelhecendo, sobre a comida estar cheirosa (mas ter uva passa), sobre o fulano que separou, sobre o ciclano que casou, sobre o carro novo que alguém comprou ou a casa que alguém construiu e as orações e agradecimentos por mais um ano juntos em família, com fartura e oportunidades, mas não sem luta e sem perseverança, sem erros e acertos, mas não sem brigas e discussões e, fundamentalmente, por mais um Natal em família, como todos os outros deveriam ser e devem continuar sendo sempre que possível.

Irão se repetir a falaria à mesa e os rituais de cada um, as tentativas frustradas de fazer as crianças comerem com os presentes a serem abertos embaixo da árvore de Natal. Faltarão talheres e alguém há de reclamar, sim, das uvas passas, mas irá come-las porque dá menos trabalho do que separar uma a uma, e os pratos passarão de um lado a outro da mesa a toda a hora e alguém vai ficar sem poder comer a coxa do peru porque o bicho (ainda) é bípede e terá que se contentar com uma fatia de peito mesmo. A cerveja vai estar novamente gelada e a espumante vai rodar em alguns copos mais ecléticos, enquanto que as crianças só vão querer saber do refrigerante (e dos presentes embaixo da árvore de Natal) e, talvez, da sobremesa e do pavê e sua infame e cansativa piada.

E as crianças chorarão porque irão brigar e cair no chão ou levar uma bolada ou só fazer birra mesmo e os adultos vão brigar com as crianças e vão sorrir em seguida para chorar novamente caso alguém faça uma homenagem inesperada durante o amigo secreto.

Sim, o amigo secreto vai acontecer novamente. Mais do mesmo mas sempre esperado com entusiasmo por todos os presentes não só pelos presentes, mas pela expectativa da adivinhação e das dicas do próximo laureado e pelo direito de ser o presenteador da vez e poder fazer seu pequeno monólogo anunciando o próximo e por aí vai.

Pacotes de presente pelo chão, sorrisos, gente triste de tanto comer e beber, feliz pela noite, triste pelos dias que virão e pela repetição do menu de Natal esquentado e requentado, tamanha a fartura e o desejo de reviver todo ano a mesma coisa.

Todos reclamam, mas todos gostam.

Eis o grande mistério da noite de Natal.

*Publicado originalmente em https://ocronistainutil.wordpress.com/2021/12/23/a-ansiosa-espera-pelo-mesmo/

O Cronista Inútil
Enviado por O Cronista Inútil em 23/12/2021
Reeditado em 23/12/2021
Código do texto: T7413518
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