CONFISSÃO DE UM DESALMADO
Vez por outra deparo com a minha alma arisca, atarantada. Ela fica indo de um lado pra outro dentro de mim feito barata tonta, como se estivesse à procura de algo que nem mesmo sabe o que é. Tento acalmá-la. dar-lhe algum norte, em vão. A alma insiste nessa busca insana que dura longos e sofridos minutos. Mas eu reitero na ajuda. Chego perto dos seus ouvidos e sussurro bulas e ladainhas que evocam dinâmicas de coach ou aqueles cultos religiosos. Teimosa como mula, a minha alma resiste na sua solitária sina e se nega a considerar os esforços de aliviar o sufoco. Como último recurso, decido amordaçá-la, amarrar suas mãos e desferir socos e tapas com todo gosto. Percebo, então, lágrimas escorrendo pelos cantos de sua face (até então pensava que almas não tinham face e nem, tampouco, poderiam chorar). Essa cena me assusta. Suponho que me excedi nos golpes e decido retirar a mordaça e desamarrar suas mãos. Ela olha seu algoz com certo medo, com goles de compaixão e ternura até. Ficamos nos entreolhando por alguns segundos, imóveis e calados. Daí decidimos nos abraçar, fundindo nossos corpos como se formassem uma massa única, indelével. Instintivamente nos despimos, retirando peça por peça devagar, como se estivéssemos cumprindo uma espécie de ritual. Daí nos amamos loucamente, misturando os fluídos corporais numa alquimia alucinada. Aqueles minutos de prazer fizeram com que deixássemos de saber o que era alma e o que não era, pois tudo ficou mesclado numa massa só. Foi quando deixei de ter alma e assim estou até hoje. Desalmado, mais feliz e extasiado toda vida.