Capítulo 1

 

Nas noites de lua clara, a peonada se reunia no

alpendre,para ouvir Generoso contar  histórias 

nas modas de viola que ele cantava

 

Lua nova - Calendarr

Faz tanto tempo...

A lua ainda era menina. Havia mel na boca da noite, no soalho, no chão. Tudo respirava amor, doce orvalho derramado no coração.

As lembranças da fazenda Campo Grande ficaram gravadas nos anéis da memória de Corina: o casarão, o gado espalhado na pastagem, e a aurora chegando no leite mugido pelo vaqueiro na casinha de curral.

Naquele tempo, chovia.

O Sol se escondia, e a chuva caia de outubro a abril.

Mesmo inserida no Norte de Minas, onde a chuva em alguns pontos  é escassa, a fazenda Campo Grande conheceu a fartura de legumes e teve, por longo tempo, muito gado no pasto.

Troveja perto.

 Raios rabiscam no céu a assinatura de Deus.  Em seguida, vem a chuva novamente. E com ela o cheiro de terra molhada. Repica o trovão, pai da coalhada a escorrer numa bola de pano pendurada no esteio.

Nas primeiras águas, berra o boi solto na manga, corre o cavalo batendo os cascos, sacudindo o pescoço, roncando atrás de uma égua no cio; ronca o trovão, vem a fartura, transborda o leite na gamela; sopra o vento na janela e na palma do tucunzeiro.

A curta estiagem no primeiro mês do ano, não assustava; era esperada e conhecido como veranico de janeiro.

Outra vez, o sol se esconde atrás de nuvens carregadas. Caia a chuva na calçada e escorre em direção ao Ribeiro. Vem a noite estender-se até à madrugada e novo dia se levanta embaciado. É início de fevereiro.

Tempo vai, tempo vem e todo dia, no cair da tarde, uma garça solitária tinge o céu com suas brancas asas, até desaparecer no infinito azulado. Animais passam na estrada, em multidão, feito formigueiro. Dezenas de tropeiros tocam boiadas à procura de pastagem. A estiagem leva o fazendeiro a alugar pasto.

Corina olha para o céu.

O último dos três anos após o passamento do marido, ela viveu a agonia da preocupação: que fazer com o gado?

A ausência de nuvens no céu era sinal da ameaça de estiagem.

Se pelo menos Batista estivesse aqui... — Pensava angustiada — lidar sozinha com gado é pesado demais para uma viúva. Talvez fosse preciso comprar torta de algodão, se não quisesse ver morrer de fome deste a primeira até à última rês da manga.

Ó vida! Ó morte!

Mas, por sorte, o vento que tocou para longe sonhos e desfez planos, deixou nas franjas do tempo um resquício de fé e esperança. Com certeza, o sentimento de perda do marido fez crescer na viúva, garras, e como águia, Corina rejuvenesceu. Mudou o rosto, transformou o semblante de desgosto em alegria e enfrentou a batalha de lutar pela sobrevivência.

Então, vendeu tudo que tinha: porco, galo, pavão, peru e galinhas; cavalos, ovinos e todo o rebanho de gado vacum.  Vendeu também por pouco dinheiro a coleção encadernada em percalina, e a fazenda que cobria boa parte do chão banhado pelos rios Juramento e Saracura. Escondeu na matula o apurado. Arrumou malas. Tomou condução em Montes Claros para o Rio de Janeiro e foi morar na Tijuca, que lhe remonta lembranças de Campo Grande.

Saudosa, Corina conta a história de experiências vividas no mundo de onde veio: a captura de uma índia, caçada de onça; procissão, leilões; hábitos e outros costumes da família interiorana. Atenta, a neta ouve tudo   e guarda no coração, como se ali fosse um baú de recordações.

Não dava para esconder preciso tesouro por muito tempo.

 O mundo precisava conhecer a história de Batista Generoso, para que o tempo não varresse com a cauda do esquecimento os feitos de um herói anônimo.

E Ravenala contou.

Chorou, tremeu e sorriu de emoção com as imagens que se formavam em sua mente. Teve cuidado ao narrar fatos dos anos trinta e quarenta, para não aranhar o brilho da verdade. Ainda assim, temeu atropelar o aspecto temporal, ao tratar das modas de viola em Campo Grande, por achar que ainda não era hora de apresentar “Guaiano em Oitava”, pois, o compositor só gravara aquela música no final dos anos oitenta. Corina assegurou-lhe, no entanto, que muito antes de gravar, Zé Coco do Riachão tocava seu guaiano por onde passava construindo cancelas e carros de boi, por encomenda de fazendeiros.

Foi escrito, inicialmente, a duas mãos. Mais tarde, contou também com a valiosa ajuda de um colega do Colégio Marista por quem Ravenala se apaixonou. E assim, sob o açoite de cupido, enquanto beirava as portas do romance, fatos novos transcenderam as barreiras da temporalidade, e conduziram personagens ao fantástico mundo do além-túmulo.

E como nos contos de fada...

 

NA

A obra  "Estrela que o vento soprou" está passando

pelo processo de   exugamento. São 280 páginas e

queremos reduzir para 220. 

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