Carnificina, ou carne fascina...?

Comprar carne naqueles açougues antigos, nada amigos, não era nada agradável.

Você nunca saía ganhando, mesmo obedecendo cegamente o comando: " Traz

uma carne boa" - e aí é que a gente voava e zoava, como até hoje se zoa:

como identificar a tal carne boa? E isso aí ainda não era nada, pois convencer o

açougueiro na hora do talho é que era maior trabalho.

Ao fim e ao cabo, dava-se satisfeito por não haver levado um rabo. Mas era carne

com pelancas, com sebo e mais impurezas até que nem concebo. E não tinha jeito,

senão levar aquela carne feia para casa - e encontrar ainda uma cara mais feia

a recebê-lo reclamando da sua ignorância, da falta de tutano pra enfrentar esses

magano, de exigir uma coisa melhor pela qual se pagava - e não se fiava. Sem contar

o contra-peso, que ainda provocava engulhos no freguês indefeso...

Isso sem contar as asperezas do habitat onde as carnes eram expostas, em meio

àquele cheiro nauseabundo, cães à porta para reforçar o adágio de quanto cão é

o mundo, a mosquitama que não dava tréguas, vindo de longe, de léguas, só pra

depositar as suas varejeiras entre eiras e beiras.

Mas pior ainda era comprar mocotó. Que coisa mais feia, desgostante do que um

pé-de-boi, que abatido foi. E levar aquilo pra casa, sem embrulhar, a não ser o

estômago, e o povo vendo aquilo tudo, comprado por uma tutaméia que, ainda

bem, se redimia, ao terceiro dia, na geleia, cuja doçura tu num faz nem ideia...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 21/12/2021
Reeditado em 03/05/2022
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