O HOMEM DO SINALEIRO

O Homem do Sinaleiro:

Não sei se por velho ou por estar ficando um bom observador, passei a ver coisas que antes não via.

Em um dia de inverno, em que os termômetros marcavam menos de 10 graus centígrados, portanto, o dia estava muito frio, fui a Porto Alegre de carona com um colega de trabalho. O carro trafegava entre a cidade de Canoas e a Capital, sendo que a vista descurtinava uma favela que margeai a rodovia.

Do meu assento, confortável, via estarrecido uma grande quantidade de barracos, que formam a favela dos papeleiros, totalmente construída por restos de madeira de construções. Barracos estes com menos de 6 metros quadrados, todos construídos, me pareceu, que no meio de um imenso lixão, dado a grande quantidade de resíduos ali existentes. Água e esgotos sanitários, nem pensar.

A chocante e constrangedora paisagem me fez refletir! Como podem seres humanos viver, ou melhor, sobreviverem em tais condições?

O carro em sua marcha inexorável segue o seu destino. À tarde, quando retornávamos, a temperatura havia baixado ainda mais, devendo estar uns 8 graus centígrados. Nas imediações da estação rodoviária, paramos em um semáforo. Um homem, ainda jovem, aparentando cerca de 20 anos, cor parda, o que lhe denunciava ser afro descendente empunhando na mão direita uma escova de cabo longo, na esquerda uma garrafa plástica com água, se aproximou do carro. Fazendo menção de que iria limpar o vidro, o motorista lhe acenou que não, o que fez com que o homem se dirigisse a outro veículo.

Não sei se por estar velho ou por ter ficado um bom observador, notei que o homem vestia uma bermuda colorida de pano ralo e uma camisa de mangas curtas, sendo que nos pés, não tive oportunidade de ver o que calçava.

O franelinha, como é vulgarmente chamado os que se ocupam dessa atividade, tremia dos pés a cabeça. Notei que seus dentes crepitavam, não podia ouvir dado ao ruído do transito e por estarem os vidros fechados.

O sinaleiro abre e o carro segue o seu rumo. O motorista nada comenta, pois a cena é comum nas grandes cidades do nosso imenso país. Fico absorto em meus pensamentos, “ Que diabo de mundo é este? O pobre homem certamente irá perecer vítima do frio que está fazendo, sendo que o inverno apenas começou. Quão revoltado deve ficar esse homem, ao ver muitos com tanto e ele sem nada, sem a mínima oportunidade, pois no estado crítico que se encontra, não tem a mínima oportunidade no mercado de trabalho, sobrevivendo das migalhas que recebe por seu constrangedor trabalho.

A sociedade brasileira está se esquecendo, que os desassistidos, marginalizados, os chamados páreas da sociedade, não raro passam a não dar valor à vida, nem a sua nem a dos outros, dado ao estado de miserabilidade que lhes é imposto. Esquecemos que o descaso, a indiferença o desprezo que temos por essa gente, nos custa muito caro e o pior é que nem nos apercebemos disso. Quando temos uma filha ou uma neta estuprada, um filho assassinado, um vigilante morto em um assalto, um jovem que é morto para que lhe roubassem os tênis. Nesses casos, vessiforamos, pária da sociedade, marginais, bandidos, tarados e por aí a fora.

Não me surpreenderia, se o homem do sinaleiro agredisse alguém para lhe tomar um casaco, estaria apenas atendendo o seu instinto de sobrevivência.

Como posso aquecer-me à frente da lareira e não pensar no homem do sinaleiro?

Como posso sentar-me a mesa e comer uma ótima refeição, sem me lembrar do homem do sinaleiro?

Como posso nos dias frios, agasalhar-me com roupas quentes, sem me lembrar do homem do sinaleiro?

Como posso permitir que meus netos, andem pelas ruas da cidade, sem lembrar-me do homem do sinaleiro.

Acho que vou levar este pesadelo até o fim dos meus tempos e nunca vou esquecer-me do homem do sinaleiro.

Otrebor Ozodrac
Enviado por Otrebor Ozodrac em 21/12/2021
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