Diário de Bordo (A outra margem do rio)
Diário de Bordo (A outra margem do rio.)
Ângela veio de Serra Grande trazendo uma montanha de mudas de plantas nas mãos e nas costas; e eu saí para ir buscá-la na Vila de Olivença, levando mais duas mochilas pra transportar tudo o que a morena atrevida trouxe. Até uma muda de laranjeira veio clandestinamente em meio a dezenas de gramíneas e outras plantas ornamentais salvadas de um evento do qual ela havia participado, ajudando a organizar a decoraçãodo mesmo.
Bananas da terra, batata doce, abóbora e outros badulaques enfiados nas mochilas, as mudas criteriosamente protegidas em duas sacolas, começamos a saga da subida da ladeira do Tororomba, quase uma escalada. Mais experiente, e melhor preparado nessas demandas rústicas, me coube a mochila mais pesada e a incumbência de animador de subidas dificeis, com Ângela rezando por uma providencial carona. A carona tão almejada apareceu como uma miragem novecentos, materializada na forma antediluviana de um trator Massey Ferguson, enquanto descansavamos na sombra de um generosa jamelão, já nas alturas da Vila Cheiro.
Subir na carroceria do dinossauro já foi uma proeza homérica para a morena coisa que ela nunca havia feito. Todavia, como uma proeza costuma levar a outra, ela se encheu de brios e superou o desafio de atravessar a pinguela, depois de me ver transportar mochilas e sacolas com a leveza de um saltimbanco.
Travessia do Cururupe feita, um merecido banho em suas águas e uma renovadora esfoliação com areia, foi o grande prêmio adquirido por vencermos essa corrida de obstáculos, e logo depois subimos a colina, entramos na cabana, acendemos o fogo, e terminada a arrumação do butim trazido,deitamos na rede e ficamos a degustar o perfume evolado das folhas de citronela, e a tagarelar os vinte dias de ausência.
Quando a noite chegou, Ângela, alvoroçada, me aponta uma ousada Lua Cheia a atravessar uma barreira de nuvens e nos brindar com um espetáculo majestoso, um evento que se repetiu tanto no sábado, quanto no domingo. Djalma, maliciosamente, epitetou a deusa de alcoviteira, pois a mesma não deu as caras em Ilhéus, ficando a se exibir aqui na Cururupitanga.
Ainda no domingo, tendo eu acordado às quatro da manhã, fui trabalhar na terra, a elaborar os novos canteiros para as plantas recém chegadas, e plantando umas duas dezenas de abacaxis, a esperar Ângela despertar, tomarmos um bom café, ela vistoriar o que eu havia feito, e um pouco mais tarde irmos até a nova trilha da represa, agora mais propicia para uma caminhada.
A chuva deu o ar da graça já nos estertores do domingo, logo após a meia noite, e emendou por toda a segunda-feira, fazendo com que eu ficasse a esperar uma janela de tempo para levar Ângela até Olivença e ela pudesse retornar a Serra Grande, devidamente escoltada por três galhos de canela de velho e uma patrulha de valentes abacaxis.
A dita janela apareceu em torno de uma hora da tarde, e desta vez Ângela optou por atravessar por dentro do Cururupe, refugando a inocente pinguela de goiabeira do mato, quero crer que já certa de ter muita aventura guardada no embornal...
A contrariar as bombásticas previsões do povo do climático, esta terça-feira está trazendo uma manhã radiante, e secundado pela famigerada orquestra de plumas de Pasárgada, regida pelo maestro sabiá coca, aqui estou a registrar mais uma crônica, enquanto me programo mentalmente pra retirar umas mudas de cajueiro que o Ramiro está me disponibilizando.
Terras de Olivença, manhã de terça-feira, dois dias após a esbórnia da Deusa Selene na plenitude lunar de Dezembro de 2021.
João Bosco