PRA POESIA QUE NOS RESTA
A poesia que nos resta é um tanto desconfiada.
Tem passos ariscos, correndo pelas beiras,
pelos becos da gente.
É poesia alvissareira, de mamas robustas e pele adocicada.
Canta canções de roda, de volta, de fim.
Poesia que sabe dos becos, dos trecos,
dos entornos, dos jamais.
Seus dengos são abruptos, imensos, ardentes, sorridentes.
A poesia que nos resta não tem sobras, nem arroubos avessos.
É toda graça, parida com gosto, ungida com fé.
Essa poesia destravada nos leva aos cantos mais travessos,
traz à tona as querelas que guardamos de sempre,
revira nossos poros feito pipoca na panela.
Poesia amena sem dano algum,
dedilha cânticos entoados pelos ventos azedos,
ressuscita nossas manhas, nossos roncos, nossas tramelas.
Poesia acetinada, da roça, do condado de quem for.
A poesia que nos resta desfolha medos, prantos e farsas.
Fagulha rebelde, troco enervado, flanco sofrido.
Poesia novata, de ossos ainda inertes e ar sonolento.
Nela vou respingar minha validade, meus confins famintos,
meus arremates desmamados.
Nela vou ser meu próprio rei, minha própria rendição.
Na poesia que nos resta, contudo, ainda valsarão encardidos,
ainda sobrarão trancas, ainda sobreviverão chãos,
todos eles.