A Senhora das Ilusões

No espelho ou na selfie, ela não gostava do que via. Eternamente insatisfeita, desesperada na busca do ideal de ser perfeita e aceita, entendeu que a única forma de suportar e continuar seria se reinventar. Em um universo todo seu... particular, no fabuloso teatro das redes sociais e para um público selecionado com cautela, logo percebeu que poderia, sem muito esforço, ser aquilo que acreditava que as pessoas gostariam que ela parecesse e fosse: Um reflexo distorcido de si mesma.

Foi então que, totalmente despida dos escrúpulos que elegem a verdade como guia, decidiu que entre mentir-se e forjar-se encontravam-se os figurinos perfeitos para atuar naquele cenário plastificado e líquido, cheio de alegorias. Multiplicar-se em inúmeros personagens seria o escudo impenetrável, que para sempre a protegeria.

Assim, ela era a fada angelical ou a dama da noite; a mulher liberal bem resolvida e fatal ou uma poderosa e destemida feiticeira, provocante e sensual... A personagem fictícia com traços psicológicos intrigantes das histórias em quadrinhos ou uma adolescente confusa, despretensiosamente sexy e atrevida... Para o público da vez e a gosto de cada freguês; em seu monólogo de mil e uma performances, ela se refazia e a cada aplauso ou manifestação entusiasmada que interpretava como sendo para si, se comprazia.

Nem nossa estranha atriz e nem seus esporádicos fãs percebiam que todas estas faces mal elaboradas de si mesma, rapidamente, na névoa das relações superficiais se diluíam e se liquefaziam. Não passavam de cópias sem alma de tantas referências rasas, umas até ingênuas; mas todas eram reflexos distorcidos da realidade, fuga para aplacar a incessante carência e a enorme frustração que a conduziam. A versão mais icônica e interessante do que ela poderia ser, era justamente aquilo que renegava, destruía e desesperadamente escondia... A essência original da pessoa que outrora fora e que agora se desgastava e se corroía em meio a tantas mentiras e ofuscada pelo falso brilho das fantasias.

Obstinada, ela não desistia: em sua sede de ilusão e ficção, qualquer coisa que pretendesse a sua melancólica compulsão, era o que preenchia o vazio amargurado e infinito de seus dias.

E neste roteiro bizarro, de tanto esconder-se por não se suportar, ela já não conseguia mais se achar. Perdeu-se em meio a tantas versões de si mesma, esgotaram-se os temas e a repetição enfadonha tornou-se a rotina nas mais decadentes e deploráveis cenas. Na ânsia de continuar a se reinventar, tornou-se uma parasita de vidas e histórias alheias; não havia outro motivo que levasse a Senhora das Ilusões a se conectar com outras pessoas que não fosse a sua insaciável sede de parasitar. Conhecer e conquistar; conhecer para absorver, absorver para extrair e extrair para manipular. E a quem não conseguisse manipular era imprescindível descartar... qualquer um que ousasse tecer críticas e apontar as falhas desse teatro onde sobravam imitações opacas e mal construídas, sem nenhuma originalidade ou criação, deveria ser perseguido, massacrado e destruído.

As luzes se apagaram e do centro de seu palco flutuante, cercada por um cenário construído com retalhos de tantas mentiras, antes que as cortinas se fechassem, a atriz especializada em apenas copiar, conseguiu observar sua plateia, agora composta apenas de uma dúzia e meia de perfis: todos autômatos, treinados para aplaudir mecanicamente e a nunca sequer manifestar um esboço mínimo de reações que não fossem espelho dos desvarios dela mesma: a decadente estrela deste teatro sombrio.