DINGO BELLS

Meu corpo tremia de frio, de medo, de tudo.

Nunca tinha experimentado algo parecido,

viver aquela loucura era estarrecedor e, ao mesmo tempo, fascinante.

Cada osso doía tanto, mas tanto, que pedi pra desmaiar e até morrer.

Os pensamentos vinham descompassados, arredios, amontoados, aguerridos.

Lembro que olhava em volta e a solidão era tão íngreme que parecia que todos

no mundo haviam partido de vez, e pra sempre.

Sentia fome, angústia, um aperreio na alma tão profundo que cada nova

respirada era uma ferroada profunda, revirando meus poros numa catarse absurda.

Suava em cântaros, em jorros abundantes e decididos. Como suava.

Fiquei assim por dias, talvez anos, talvez todos meus anos.

Pedia perdão pelos vãos retalhados, pelos rugidos puídos, pelos chãos carcomidos

pelos quais rastejei buscando ajuda, qualquer ajuda, qualquer fiapo de ajuda.

E nada vinha acudir.

Meu coração cansado, amuado, só batia de teimoso, de contragosto.

Por vezes tateava o ar em busca de ajuda, mas nada encontrava.

Era eu comigo mesmo naquele inferno deslavado, na beira de um precipício

que atiçava meu guizos, que fazia troça naquele dantesco cenário tão cruel, tão desumano.

Bem que a morte poderia me abraçar, deixando aquele corpo já quase em decomposição

ser degustado pelos abutres da noite, pelos rendidos galopes daquela

amaldiçoada sintonia, pelos famintos vermes que já se organizavam em formação,

prontos para ataque, para o bote, para o motim, para o que for.

Então, aconteceu. E como aconteceu.

Aquela mão apareceu do nada e colocou-me delicadamente numa relva seca,

silenciosa e perfumada longe do murmurinho de terror e sofrimento interminável.

Diria, até, que me acariciou embebida numa ternura que nunca me untara antes.

Alívios começaram a soar compassados, compondo um coral maravilhoso.

Foi nesse compasso descamando que desarmei cada espinho, cada chaga, cada pétala fétida

que, até então, vigorava impune e descaradamente eterna.

Um único pensamento prevaleceu e disseminou suas pelos quatro cantos.

Não deveria ter me empaturrado de rabanada até não poder mais,

aquele pesadelo era a punição justa por ter ultrapassado, em léguas e léguas,

a minha fronteira na gulodice abrupta e pagã da ceia de Natal.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 20/12/2021
Reeditado em 20/12/2021
Código do texto: T7411115
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