Um gigante ferido e adormecido
Certo dia, fui pego de surpresa com a confidência de um amigo sobre ser portador da ELA - Esclerose Lateral Amiotrófica, uma doença degenerativa e que tinha pouco tempo de vida, talvez uns 3 anos, ou caso não morresse, poderia ficar com movimentos apenas nos olhos e o restante do corpo, inerte, inválido para sempre. De imediato, senti profunda tristeza e, ao mesmo tempo, impotente, pois, não tinha como ajuda-lo. Esse sentimento de desânimo físico e espiritual se apossou de mim e, silenciosamente, me jogou num oceano de solidão sem fim.
Minhas lágrimas já não molhavam mais a minha face. De tanto pranto, tinham se esvaído. Também meu coração sangrou e pouco ficou a correr nas minhas veias. Em quantidade, somente dor, sofrimento que não cabia dentro de mim. Percebi, de um lado, o quão sou privilegiado, mas, de outro, não posso suportar ver um irmão padecer. É inaceitável, ver um guerreiro sucumbir, se ajoelhar, se deitar e não ter forças para - ao menos - se alimentar, caminhar de um lado para outro e nem poder expressar o que sente, pois sua fala está sem força para externar o som, sem vida, para sempre sufocada, um gigante adormecido.
O som, o similar que brada pelos inocentes, pelas injustiças, pelos direitos humanos, neste caso, o condena a viver nas sombras da escuridão, no gelo que anestesia os sentidos e até, momentaneamente, a dor, mas não cura as doenças malditas, que o amaldiçoou com a pena de morte.
É doído demais sentir isso tudo e nada poder fazer; perceber a repercussão da dor o consumindo aos poucos. Dor que agora também dói em mim, sobretudo na alma. Maldita, mil vezes maldita, como se tivesse pressa de me transformar em pó, porque não me dará a chance de poder mudar, de voltar atrás, de recuperar o tempo perdido ou mudar o que deveria ser mudado, enfim, escrever um novo começo ou mudar esse fim.
Por mais que compreenda que em tudo o que acontece na vida exista uma explicação, minha alma ainda pecadora não consegue suportar a dor de um irmão que bravamente lutou, se doou, se entregou e, no derradeiro momento, ainda teve forças para nos deixar lições que jamais serão esquecidas. Minha gratidão meu irmão!
É muito triste olhar para o retrovisor da vida e ver que tudo não passou de uma ilusão, um sonho nada mais e que o fim se resume em tudo aquilo que se plantou e construiu, ou melhor, de tudo aquilo semeado e não construiu e que passou pela vida, simplesmente, passou sem ser notado. Toda uma existência nula, sem sentido ou em cinzas que o vento se encarrega de se espalhar sobre o mar, que não serve nem para nutrir os peixes que nobremente ainda vivem para cumprir sagrada missão de ser alimento.
Dentro de mim ainda existem perguntas não respondidas e respostas incompletas que não me satisfizeram totalmente. O grau de minha imperfeição é imenso e não consigo compreender os desígnios de Deus para conosco. Por mais que entenda que vivemos para resgatar débitos de vidas anteriores, me pergunto: Por quê?
Por que temos que sofrer, ser humilhados, maltratados, explorados, morrer como indigentes, para, depois, renascer e se sentar ao lado direito de Deus? Por que gozamos de uma vida material com tantas ilusões e prazeres se nada disso servirá ou valerá para Deus?
Talvez seja a lei do livre-arbítrio que nos concede a liberdade de ir e vir, de fazer o que bem quer, da ação e reação, a lei do retorno, mas que um dia, terá que prestar contas. Talvez ainda, porque esse mundo não nos pertence e estamos como meros passageiros em viagem célere.
Talvez essas nuances da escala evolutiva da espécie humana nos explique o por que dos sonhos que surgem quando dormentes ou desconectados da Terra, e nos leva através de uma tela mental, a habitar novos mundos, nos traz de volta entes queridos que partiram para nos visitar e, muitas vezes, o subconsciente registra avisos de perigo que estamos a correr.
Talvez seja a lei da reencarnação, que nos impede de saber o que aconteceu no passado de outras existências, nos permitindo resgatar nossas dívidas de maneira natural com o Universo. Talvez seja por isso que o rio, na maioria das vezes, corre em direção ao mar e não contrário. Talvez explique porque o relógio do tempo não atrasa.
A visão de poeta nos faz reconhecer que somos dotado de imperfeições e que viajamos no trem da vida. Em alguma estação, iremos desembarcar. Sei de minhas limitações e também de minha capacidade de transformar o meio em que vivo. E, nessa viagem, procuro observar as paisagens, as belezas que o percurso me oferece, respirar o ar puro da natureza, contemplar as lindas cachoeiras que refletem brilho em meus olhos e ficam registradas fotograficamente em minha memória.
Fico maravilhado com tudo que me envolve magicamente e não permito que a tristeza ou a solidão se apossem de meu ser. Sinto a presença de Deus em cada imagem que me brinda com a vida e humildemente externo a minha gratidão apenas com meus gestos de carinho e por algumas lágrimas que, de felicidade, derramo.