Cuidado com o Mercado da Fé!

A agitação foi intensa durante todo o dia. As tropas se mostravam irrequietas e a guarda imperial permanecia de prontidão montando guarda no palácio de Herodes e na residência do governador Pôncio Pilatos.

Pelas ruas e vielas da cidade observavam-se pequenas aglomerações tendo à frente delas algum religioso do templo liderando as manifestações contra aquele Galileu que acabara de ser crucificado no monte da Caveira.

Percebi toda essa movimentação desde a madrugada, quando recebemos a ordem de prender e conduzir a julgamento o Galileu, de quem se dizia estar sublevando o povo contra César  e incitando as multidões para fazer-se rei  na Palestina reinaugurando, assim, o Trono de Davi.

Como comandante da tropa, eu observava com atenção os movimentos de Jesus e dos seus seguidores.

Confesso não ter visto, em momento algum, qualquer reação de rebeldia, agressão ou violência proposta por ele, desde a madrugada. O único incidente ocorrido no Jardim foi contido por ele mesmo, inclusive com um procedimento miraculoso quando reimplantou no soldado Malco a orelha direita, quase decepada por um golpe de espada desferido por um dos seus discípulos.

Eu estava lá, ao pé da cruz em que Jesus fora crucificado, observando e ouvindo tudo o que acontecia ao redor. Vi religiosos passarem perto da cruz zombando dele em manifestação de desprezo, como vi também muitos que sempre o acompanhavam, menearem a cabeça como que reprovando aquele que os curara das suas enfermidades físicas.

Vi os seus discípulos, homens e mulheres chorando discretamente e afastados da multidão, sem qualquer reação negativa de agressão aos soldados ou às demais autoridades presentes ao martírio da crucificação.

Em meu coração eu não conseguia entender aquele comportamento do povo que fora beneficiado por ele, e  principalmente, eu não conseguia compreender por que tamanha oposição faziam a ele os sacerdotes do templo que, na minha opinião deveriam ser os primeiros a defendê-lo.

Percebi, então, que o sistema religioso mantido por Caifás e a cúpula sacerdotal não passava de uma máfia religiosa encastelada no templo, que escravizava a consciência do povo utilizando-se da religião para se perpetuar no poder.

Tudo não passava de um conchavo político e o povo não se apercebera disso. Lembrei-me de que, na semana anterior, aquele mesmo Jesus havia promovido uma faxina na indecência religiosa praticada no templo de Jerusalém onde se vendia de tudo e a um preço exorbitante, para o povo comum que chegava à cidade para adorar durante a festa da Páscoa dos judeus.

O mercado da religião era tão vergonhoso, que não me surpreenderia saber de alguém vendendo as unhas do casco do cordeiro da Páscoa imolado pelo próprio Moisés quando instituiu a cerimônia há centenas de anos, no Egito.

Minha mente regressou no tempo!

Lembrei-me que, há pouco mais de três anos, eu e outros soldados em início de carreira estávamos às margens do rio Jordão observando um tal João que se dizia profeta e que pregava à multidão conclamando todos a se arrependerem e produzirem frutos dignos de uma vida arrependida.

Naqueles dias, Anás e Caifás que exerciam o sumo sacerdócio no templo, numa espécie de rodízio semelhante ao que ficou conhecido, centenas de anos depois, como "política do café com leite" exercida no Brasil como forma de assegurar a preponderância do poder nas mãos de políticos paulistas e mineiros, também já tinham sido advertidos e condenados pelo profeta João Batista que os chamou de "raça de víboras".

Como já disse, tudo não passava de uma manobra política que usava o povo como "massa de manobra" para que os mesmos representantes da religião judaica se perpetuassem no poder.

A compreensão de todos os acontecimentos que envolveram aquele Jesus, além do meu contato pessoal com a sua vida e palavra de graça e misericórdia que fluíram dos seus lábios, mesmo lá na cruz, me persuadiram a seguir-lhe os passos. Disse ele:

"Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que estão fazendo."

Hoje, estou convencido de que a religião institucionalizada produz a pior espécie de gente que explora a fé e a ingenuidade das pessoas, sejam elas homens ou mulheres, adultos, jovens ou crianças, pobres ou ricos, de qualquer nacionalidade, nível social ou intelectual.

Você consegue detectar esses, ou seja, os lobos travestidos de cordeiro, quando percebe que os interesses encontram-se à frente e acima da sua pregação, como forma de ambição pessoal para ocupar lugar de destaque na sociedade, na política, ou na hierarquização religiosa temporal.

Não precisamos mais, em nossos dias, de novos "Caifás ou Anás". Já bastam os que existem por aí, mercadejando vergonhosamente a mensagem do Evangelho de Jesus.

Precisamos, sim, de transformação interior para todos, promovida pela compreensão de que o compromisso com o Evangelho inclui a prática da justiça social, da manifestação plena da verdade, do amor e da solidariedade para com todos, do direito às liberdades individuais, do respeito às diferenças e da não-discriminação.

Dessas coisas, o Evangelho não pode estar dissociado, visto ser responsável e comprometidamente inclusivo, razão porque é, também, persuasivo!

E este Evangelho encontra-se firmado na pessoa de Jesus, razão pela qual eu afirmei, ao pé da cruz: "Certamente este homem era justo; o Filho de Deus."

Para mim, dias memoráveis e de profunda reflexão.

E para você?

Que Jesus te abençoe!

Pr. Oniel Prado

Primavera de 2021

19/12/2021

Brasília, DF

Oniel Prado
Enviado por Oniel Prado em 19/12/2021
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