VALSA DONA FELICIDADE

DONA FELICIDADE, A VALSA

Nelson Marzullo Tangerini

Certa vez, creio que em 2008, meu amigo Carlos Silvestre Monaco, dono da Livraria Ideal, me mostrou uma caixa, onde, segundo ele, havia jornais, revistas, livros, fotos e textos relacionados aos poetas do legendário Café Paris, de Niterói.

Segundo Monaco, ali poderia haver textos de meu saudoso pai, Nestor Tangerini, um dos poetas da Roda.

Em frente à Livraria Ideal há o Calçadão da Cultura, onde se reúnem os intelectuais niteroienses – ou outros fluminenses de diversas regiões do Estado.

Monaco abriu a caixa e ali encontrei textos – para mim inéditos – do “parisiense” em questão, mais conhecido naquela plêiade como João da Ponte, João de Niterói, João do Paris e Pastaciuta. Inclusive, os versos de Dona Felicidade, que, em 1937, ganhariam música de Benedicto Lacerda, flautista fluminense, parceiro também de Aldo Cabral e Pixinguinha.

Benedicto, autor de inúmeras canções que enriqueceram significantemente a Música Popular Brasileira, nasceu em Macaé, Estado do Rio de Janeiro, a 14 de março de 1903.

Eis a valsa que foi gravada, em 1937, por Castro Barbosa, pelo selo RCA Victor.

“DONA FELICIDADE

No País da Fantasia,

que habitei na mocidade,

eu também quis, certo dia,

ver Dona Felicidade.

Enveredei pela Estrada

da Esperança, e em meio, então,

mais linda do que a Alvorada

encontrei Dona Ilusão.

Perguntei-lhe logo, a ela,

se onde morava sabia

a criatura mais bela

do País da Fantasia.

E a Ilusão, gesto risonho,

mostrou-me, numa colina

da Cordilheira do Sonho,

uma casa pequenina.

Prossegui na caminhada

e, cansado mas ufano,

bato à casinha indicada,

onde um velho, o Desengano,

me atendeu com gravidade

à informação que pedi:

- A Dona Felicidade

Já não mora mais aqui”.

Sobre Carlos Silvestre Monaco, conheci-o por acaso – se o acaso existe. Lecionava Língua Portuguesa e Literatura no Ciep 409, no bairro Coelho, na cidade de São Gonçalo; e, se saía mais cedo, costumava dar umas voltas em Niterói, onde farejava sebos, à procura de raridades. E foi numa dessas caminhadas pelas livrarias da antiga capital fluminense que vim a conhecer a Livraria Ideal, do respeitável livreiro.

Procurava alguns livros e deixei, com ele, meu nome e telefone.

Ao ler meu sobrenome, Tangerini, imediatamente me perguntou se eu era parente do poeta Nestor Tangerini.

- Era meu pai -, respondi-lhe.

E ele prosseguiu:

- Seu pai foi um dos poetas do Café Paris.

E então lhe disse::

- Eu sei. Guardo muitos escritos dele e dos poetas do Café.

Entusiasmado, Monaco me convidou para conhecer a Roda do Calçadão da Cultura, que acontece todos os sábados à Rua Visconde de Itaboraí, prometendo me apresentar ao escritor, jornalista e poeta Luís Antônio Pimentel, que, segundo ele, era um grande conhecedor da história literária de Niterói e do Estado do Rio de Janeiro.

No sábado seguinte, lá estava eu, à procura de mais informações sobre aqueles boêmios ilustres.

Fui, enfim, apresentado a todos os intelectuais do Calçadão como o filho de um “parisiense”. E, a partir de então, passei a integrar aquele seleto grupo.

Com depoimentos de Pimentel, que conheceu alguns “parisienses”, como Brasil dos Reis, pude, então, montar o livro de crônicas “Nestor Tangerini e o Café Paris”, de minha autoria, e “Na Taba de Araribóia”, publicados pela Editora Nitpress, de Niterói, RJ, respectivamente, em 2010 e 2011.

Concluí, portanto, que os versos de “Dona Felcidade” já existiam antes de 1937. Ganharam vida com a bela música do maestro Benedicto Lacerda, esse gênio da música brasileira, conhecido entre os amigos como Benê, falecido na Cidade do Rio de Janeiro, a 16 de fevereiro de 1958.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 18/12/2021
Código do texto: T7410113
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