Na consulta psiquiátrica, deu de cara com Saturno
Roberto entrou a passos largos no consultório do psiquiatra. Após sentar-se, começou a falar com a convicção de quem estava sofrendo assédio moral no trabalho, pois queria o parecer de um especialista sobre os desatinos do chefe. Estruturou a narrativa de suas desagradáveis experiências no ambiente empresarial do modo que conhecia muito bem: introdução, desenvolvimento e conclusão, contando com riqueza de detalhes como se sentia retaliado e perseguido.
Aquele ano definitivamente não transcorria como um ano leve para Roberto. Como sempre estava acumulando muitas demandas, e para agravar a situação acabou escolhendo a unidade famigerada por suas doentias relações trabalhistas, pelo menos era o que se comentava entre muitos ex-funcionários, que fugiam de lá como o diabo da cruz. Sentiu-se, no entanto, bastante acolhido durante seu relato, olhando para o senhor que aparentava uma faixa etária de sessenta ou setenta anos de idade. A figura do velhinho que escutava com atenção parecia compreensiva, para além de acolhedora.
Pobre Roberto! Não suspeitava que aquele senhor era old school, outra geração. Como millennial, já ouvia por aí comentários de como essas novas gerações cresceram estragadas por causa do merthiolate que não arde. Ouviu do psiquiatra que devia cuidar do próprio trabalho e não se meter nos problemas da empresa, recebeu o rótulo de perfeccionista e o alerta de que precisava urgentemente desencanar. Tomado por um espanto, pois estava certo de que era vítima de assédio moral, Roberto resolveu cometer o sacrílego ato de debater e afrontar um psiquiatra. Levou três tiros à queima-roupa do velho, que lhe perguntou:
- Quantos anos você tem mesmo? Com quem mora? Como está a sua vida afetiva?
O jovem estava se despedindo de seus 27 anos, completaria os 28 naquele mesmo mês. Tanta coisa por acontecer e fazer, morava com os pais e estava solteiríssimo. Mal podia prever que a tal “crise dos 30” se avizinhava e realmente chegaria mais cedo. Não era mais o psiquiatra que estava na sua frente, era um espelho. Com esta idade de Roberto se pode até dizer que o velho tinha se metamorfoseado em Saturno. Na mitologia grega Saturno corresponde a Cronos, o “Senhor do Tempo”, mais conhecido por devorar os filhos ao nascerem. Já o planeta Saturno realiza trânsitos lentos, sua volta na roda zodiacal leva em torno de 29 anos, quando acontece seu temido “retorno”. Para os que acreditam na influência dos astros nos assuntos humanos, é o completar desse ciclo que dá de fato as boas-vindas à maturidade na vida de um indivíduo.
Dizem que a vida imita a arte, e Roberto se viu num daqueles momentos em que sua vida parecia cena de filme. Resmungando meio choroso na recepção, ao reclamar de como havia sido injustiçado no atendimento enquanto as atendentes devolviam o dinheiro da consulta a pedido do psiquiatra, o rapaz se sentiu o protagonista. Depois teve oportunidade de performar novamente, ao chorar sentado na calçada, em plena avenida. Fosse um filme norte-americano o gênero seria “coming of age”, que em português significa “amadurecimento”.