Do erro como uma ponte para aprender
Tenho idade mais que suficiente para errar. Por isso, acredite, posso dizer, e sem exagero, que se fosse possível um balanço de minha vida, o saldo seria positivo para os erros. Um paradoxo, talvez, você dirá, ao erro ser atribuído valor positivo? Mas... não é assim? O erro supera em positividade o acerto, pelo simples fato de o erro trazer consigo duas informações. Veja, nem vou dizer que o "certo" seja uma imposição hierárquica de determinado tipo de saber, ou que se constituiu como matriz dominante de uma classe sobre outra. Não. Essa batalha, deixo para os eruditos e seus arrogantes arroubos de exemplares da humanidade. Não. Não temos tempo, nem disposição, para tanto.
Retomando, penso que o erro seja positivo, em prejuízo do certo, porque, com o erro, duas questões, de ante mão, se apresentam:
1) que ao se posicionar sobre o acerto, que, por só, acomoda o sujeito. O "acerto", como uma espécie de bola nos calcanhares, impede que o sujeito avance. Mesmo a tênue tentativa de se rebelar, sintoma sadio do inconformismo, não se cogita. O acerto é o ataúde dos conformados.
Por causa do acerto, a rebeldia, tão esperada e reverenciada na juventude, se recolhe. Como uma velha na varanda, a rebeldia, sem forças, cede ao confortável sono dos cansados. O acerto é anti-vida. Reforçando: é o ataúde dos conformados. 2) O erro. O erro é o esbanjamento da rebeldia. É a possibilidade de se reinventar. De se colocar em marcha, em se colocar ao desafio como se não houvesse amanhã. O erro, mais que a somatória perfeita, é a incógnita, a incógnita que nunca finda o cálculo, que sempre deixa um resquício de número para que a busca pelo resultado, sempre será só busca.
Pois bem, pela idade que tenho. Pelas experiências vividas. Pelos amores e desamores vividos, veja, com a máxima sinceridade, se não tenho, como já disse, o direito, ou melhor, o dever de incorrer no erro?
Desde que era criança, como se já soubesse, embora, não sabia, que dedicar-me ao erro, mais que possibilidades de tentar consertar, tinha, talvez, por intuição, que o erro, era minha tábua de salvação, minha bóia nesse horrendo oceano das certezas. Todavia, devo dizer, meu respeito, quase canônico, ao erro, não era exercido como se exerce alguma devoção. Aliás, sempre me afastei de companhias que seguem ideias às cegas. Sempre considerei essas posturas, igualmente perigosas, pois, ao contrário da incerteza, do erro, essas posturas deram causas às mais horrendas perseguições. Minha aposta no erro como possibilidades de aprendizado, se insere, e daí não se tratar de algo irracional, é que através do erro, tenho a chance de olhar para outras direções.
Tenho, ainda que como que quem pula de avião sem o auxílio de para quedas, na mesma medida de me entregar ao imponderável. Entregar-se ao imponderável, ao contrário do que parece sugerir, significa não considerar o ignorado como o limite das possibilidades. Significa, como mecanismo que reforça a decisão, entregar-se a possibilidade do erro, significa estar aberto ao que há de vir.
Significa, como a bailarina que vai para estreia sem as sapatilhas, mas vai, porque sabe: o erro de esquecer as sapatilhas, possibilitou o saber qual a importância do seu ofício.
Em resumo: tenho, porque assim entendo, a prerrogativa do erro. Do erro como um amigo, como um companheiro que me ensina. Que, ao contrário do significado do acerto, o erro tonifica minha louca vontade de viver. De viver, aprender e apreender. Com o erro, como o garoto que vai ao parque, tenho o vasto mundo para descobrir e explorar. Tenho a magnânima desenvoltura para refazer os passos e seguir adiante. Só isso.