O CURURU AQUI DE CASA
Há um sapo-cururu no quintal aqui de casa.
Nas noites de lua cheia ele canta.
E encanta as visitas.
“Quero-o para mim”, diz Jorge.
“Eu também”, resmunga Caribé.
E vão embora depois da meia-noite sem levar o dito sapo.
Esse sapo está me dando nos nervos.
Manoel, pede pro Bernardo tirar esse sapo daqui!
Bandeira, levanta dessa cama e vem fazer um poema pra esse sapo parnasiano, que se enfiou dentro da minha botina!
Agora ele deu de cantar “Lula lá”, a canção que o Acioli fez para a campanha do Lula em 1989 (“Lula lá, brilha uma estrela/ Lula lá, cresce a esperança/ Lula lá, o Brasil criança/ Na alegria de se abraçar/ Lula lá, com sinceridade/ Lula lá, com toda certeza/ Pra você meu primeiro voto/ Pra fazer brilhar nossa estrela”) e eu estou com medo de algum maluco vir bater na minha porta qualquer hora dessas para tirar satisfação, já que a cidade declarou apoio a Bolsonaro.
Vinícius, põe esse sapo dentro de uma ode, um madrigal, um soneto e leva-o de presente para a sua garota de Ipanema, que nunca deve ter visto um sapo-cururu na vida!
Estou subindo pelas paredes com esse sapo!
Por duas vezes coloquei-o para fora de casa e ele voltou, como um filho pródigo, o sorriso de Jack Nicholson estampado nos lábios rugosos, anfibianos. É “o coisa”, pensei desanimado, vendo-o se aninhar novamente no buraco do jardim em que teima viver.
A gota d’água foi o cocô que ele deixou na varanda dia desses.
Cocô preto e fedido.
Que eu tive de tirar com a pazinha e depois lavar o local com desinfetante.
Chega!
Fui lá falar com ele: ou você se manda daqui ou coloco no volume máximo o CD dos grandes sucessos do Eduardo Costa pra você ouvir!
Ele preferiu ir embora.
Faz uma semana que não o vejo.
Mas a noite passada, ao surgir da lua cheia, foi impressão minha ou me veio de longe, lá do coração das trevas, o canto alegre de um cururu?
(Texto de Adeblando Alves da Silva)