E VIVA AS MARITACAS

Nunca houve tanta maritaca como agora no céu da nossa cidade. E nas macaúbas. E nas mangueiras. E nos telhados, tentando encontrar um lugar para fazer seus ninhos. E se balançando nos fios de luz, em algazarra, uma empurrando a outra, bicando a outra, coçando a outra, pondo o bico no bico da outra, em namoro público, explícito, sem pudor.

Maritaca é o mesmo que louro? Eu nunca soube diferenciar. Se for, vou pegar uma dessas e prendê-la numa gaiola, até ela amansar. Se fêmea, vai se chamar “Esmeralda”, se macho, “Dom Quixote”. Passarei as tardes ensinando Esmeralda/Dom Quixote a cantar o Hino do Santos: “Santos, Santos, sempre Santos, dentro e fora do alçapão, jogue o que jogar, és o leão do mar, salve o nosso campeão”.

Ela/ele vai ser a atração musical da cidade. A minha galinha dos ovos de ouro. Cobrarei dez reais por pessoa que vier ao show. A fila dobrará a esquina, tomará a BR-163 e seguirá adiante, até chegar a Juazeiro do Norte, no Cariri, contornará a estátua do Padre Cícero e descerá para Salvador, onde se dispersará ao sol que arde em Itapuã, ouvindo o mar de Itapuã. Não haverá privilégios. Ninguém cortará a fila. A Rainha da Inglaterra, portanto, terá de aguardar a sua vez. Assim como Dalai Lama, Roberto Carlos, Pelé, Paulo Coelho, Woody Allen e Beyoncé. Também não haverá o tradicional jeitinho brasileiro, via mala preta, dinheiro na cueca ou oferecimento de cargos no Congresso. Bolsonaro, Evo Morales, Maduro e Raul Castro serão impedidos de entrar, pelas razões que todos conhecem.

Não é por causa de nenhum fenômeno de reprodução, projeto ecológico do Governo Estadual/Universidades, proteção de ONGs e desmatamento do cerrado que as maritacas estão se multiplicando no céu da nossa cidade, mas por falta de meninos nas ruas, meninos que, como os de antigamente, matem passarinhos com os seus estilingues. As crianças de hoje nem sabem o que é estilingue. Também não soltam pipa, não jogam bolita, não andam de bicicleta, não correm sob a chuva, na enxurrada. Passam as horas e os dias da infância na penumbra do quarto, frente à TV, jogando com o Xbox.

O mundo mudou? Certo. Tem mesmo é que mudar, não pode ficar estagnado, preso a costumes e pensamentos de uma mesma época. “O tempo não pára”, canta Cazuza. Verdade inquestionável. Bom para mim e para você. Mas a passagem do tempo e a mudança do mundo não justificam uma criança ficar presa o dia todo na escuridão do seu quarto jogando Xbox sem tempo para a claridade lá fora.

Eu não sei de quem é a culpa disso, se dos pais ou da sociedade ou dos dois juntos. A perda é das crianças, como sempre. Mas as maritacas não estão nem aí, ou melhor, estão aí sim, vivíssimas, de ponta cabeça nas folhas das macaúbas, roendo o forro dos beirais das casas e se equilibrando nos fios dos postes de luz, aves no espelho do poema de Federico García Lorca: “Verde que te quero verde/ Verde vento/ Verde ramas/ O barco vai sobre o mar/ e o cavalo na montanha/ Com a sombra pela cintura/ ela sonha na varanda/ verde carne, tranças verdes/ com olhos de fria prata/ Verde que te quero verde/ Por sob a lua gitana/ as coisas estão mirando-a/ e ela não pode mirá-las”.

(Texto de Adeblando Alves da Silva)