Regresso a Juiz de Fora
Há mais de dois anos não vinha a Juiz de Fora. Da última vez em que estive aqui, as coisas estavam diferentes; por exemplo, havia sol e andávamos sem máscara pelas ruas. As máscaras, na verdade, eram outras, mas isso é papo para outra crônica... Quando estive aqui, o sol de quase dezembro ensopou minha camiseta de suor; nas bancas, acho, havia mais jornais e revistas. Como diria o outro: o tempo passa, as coisas mudam. Mudam tanto – e tão rápido - que não encontrei na Santa Rita aquele self service simpático onde me fartei de lasanha e salpicão.
Regresso a Juiz de Fora trazendo na mala o pó da viagem e algumas expectativas. A brisa da manhã antecipa o calor do dia. Parado no Riachuelo, espero o motorista do Uber. A vida é um eterno esperar: espera-se na fila do guichê, o ônibus, o semáforo... após onze minutos de espera, o sujeito cancelou minha corrida. Restam-me duas opções - feliz do homem que tem duas opções, diria meu ex-professor - caminhar até o hotel ou tentar novo carro. As pessoas passam apressadas pela calçada, olham-me como se eu fosse um alienígena. Plantado entre a farmácia e o banco, mochila nas costas, a mala pesada entre as pernas e o celular na mão, observo o trânsito. Os minutos escoam. Caminhar não me fará mal, decido.
Aprendi com aquela canção do Milton que todo artista tem de ir aonde o povo está... apesar de não me considerar um artista, talvez mero aspirante, retorno à Manchester Mineira em busca de público. Os palhaços na rua, os escritores nos estandes e os poetas no sarau todos buscamos algo. Esse algo pode ser um lugar ao sol, a fama, o reconhecimento, o prazer, a experiência, o saber, o viver... ou, de repente, pode ser nada pois, como diria um conhecido: o que é pode também não ser.
Filosofias à parte, estou em Juiz de Fora. Após um longo período pandêmico, retorno à cidade. Da janela do Paço Municipal, observo: a chuva vem apressada, tal como os ônibus e carros e caminhões. Ao meu lado, confrários poetizam. Há utopias em cada olhar, doçura e aconchego em cada gesto. Versos e inspiração chovem aqui dentro, desafiam a sisudez centenária das paredes e portas; lá fora, a chuva cai. É passageira, veja como o céu já está se abrindo, diz-me um poeta que ainda a pouco me presenteou com seu livro.
A chuva lava o asfalto, molha os cabelos da madame, o uniforme das colegiais, a pasta do doutor, os All-Stars dos garotos. Às pressas, a madame, as colegiais, o doutor e os garotos cruzam a Rio Branco em direção às marquises da Halfeld. Eles não sabem, mas nós sabemos: a chuva não tardará. Da janela, enquanto esperamos nossa vez de declamar, observamos o cotidiano: poemas e crônicas costumam nascer assim.
A tarde vai entre buzinas, versos e sirenes do SAMU. Na mala restam-me ainda exemplares do meu “Confissões”. De uns tempos para cá parece que virei mascate, ou um daqueles antigos vendedores de enciclopédia: aonde vou, carrego meu livro. O que fazer, pergunto ao céu que, aos poucos, se despe como aquele corpo jovial no meu sonho de ontem... Não tenho resposta; mas sei que não estou só... Mais cedo alguém lembrou: sonho que se sonha junto é realidade. A chuva ainda brinca na copa das árvores, nós sonhamos; juntos, como profetizou Raul.