*VÉSPERA DE NATAL*

 

Aos meus leitores:

Véspera de Natal é um conto que mostra a triste realidade da família brasileira no dia em que se comemora a mais importante data da humanidade: O dia em que o Filho de Deus chegou ao mundo para nos salvar. O Natal dos nossos dias nada tem a ver com aquela Festa Litúrgica na qual o Filho de Deus era reverenciado e louvado. Hoje, todavia, o Natal se tornou uma festa pagã onde os “comes e bebes” – em festins licenciosos – é a essência para dar o toque do esquecimento do Aniversariante – quase ninguém Dele se lembra!

Aos que me honrarem com a leitura, o meu muito obrigado mesclado aos votos de que Ele – o Cristo Jesus – possa, sempre, renascer nos seus corações!

Nota do autor.

 

Introito:

 

A janela do mísero barraco (Como é dito na letra da canção: “Vai, barracão/ Pendurado no morro / E pedindo socorro / À cidade a teus pés!”) se abriu. Nela, assomou a raquítica figura de um pobre menino emoldurando aquela tela viva que parecia ter se emergido do romance de Victor Hugo: Os Miseráveis! O menino – um dos muitos reais miseráveis – levou as sujinhas mãos aos olhos esfregando-os seguidamente, até que estes se acostumassem com a intensa luz solar que invadia o recinto – ferindo-os! Pisca-os por variadas vezes para aliviar as dores sofridas!

A tela viva, enfim, sai da sua moldura e retorna ao interior do barraco com dependência única que servia como sala, quarto e cozinha. Dói-lhe a barriga – e lá vai o menino aliviar os intestinos em meio às bananeiras. Elas eram o “banheiro químico coletivo” do qual se serviam os habitantes do seu e demais barracos adjacentes. Escolhendo onde pisar os pés descalços (temia sujá-los ainda mais nos dejetos anteriormente ali depositados), derreou o corpo, arriou a curta calça, abaixou-se e aliviou os doloridos intestinos, depositando no chão a ínfima comida de ontem, hoje, míseros excrementos! Os “químicos porcos vadios” – criados à solta no morro – logo fariam a limpeza do “banheiro químico coletivo”!

 

No barraco, o velho fogão a lenha, aceso, fazia a madeira arder, crepitar. A fumaceira, invadindo o único cômodo do barraco, filtrava a luz solar que entrava em profusão pela janela e buracos às centenas do telhado de zinco. A fumaça e os raios solares dançavam, sem música, uma tétrica coreografia. Em meio ao fumoso ambiente – que contava com a participação dos holofotes solares – surge uma trôpega figura de solitária mulher, parecendo ser uma eterna partner daquela tragicomédia de enésimas e incontáveis misérias. O seu trôpego caminhar – provocado pela desnutrição e a tísica que a carcomiam – parecia fazê-la, também, balouçar naquela macabra coreografia de dor e de lágrimas. A pele macilenta e carente de bons tratos, os seus rotos andrajos, a desnutrição e a doença que a dilaceram, triplicam a sua idade. Não era tão idosa! Era, sim, jovem – bem jovem e, ainda, muito bonita! A religiosidade a fez parar frente ao oratório, moradia de uma Santa, símbolo da sua inabalável fé. Benzendo-se, prostrou-se de joelhos e rezou a prece que o Senhor Deus Filho Jesus nos ensinara: “Pai nosso que estás nos céus (...)!”

 

Ao lado do nicho, pendurada na parede, há uma foto do falecido marido que a fumaça do fogão a lenha se incumbia de fazê-la parecer mais antiga. Não era. Os lábios da jovem mulher balbuciavam uma prece. Os olhos da jovem mulher passeavam, ora pela imagem da Santa, ora pela fotografia do marido – motivos da sua adoração pela religiosidade e pelo amor ao falecido marido! O esposo, de saudosas lembranças, morrera numa obra da construção civil, deixando-a desamparada.

 

Fecha os olhos. As lembranças dos bonitos sonhos que idealizaram juntos torná-los realidade – e que não se realizaram – trazem-lhe à sofrida face o arremedo de um tímido sorriso. Pela sua mente, como num “vídeo tape de dor”, passavam as cenas das doces recordações – indeléveis recordações! Via o marido riscar um arremedo da planta do belo Ninho de Amor, em um papel onde, há pouco, trouxera enrolados os pães.

 

- Amor, vou terminar essa nossa casa antes que ele nasça. Farei um quarto para nós, um para ele e outro extra! – dissera entre sorrisos!

Lembrou-se que, desejando saber, perguntara-lhe:

-Por que um quarto extra, querido?

- Quero dois filhotes! E completou: - Se possível, um casalzinho! Daí, um quarto para ele, outro para ela! – respondera-lhe!

Deram gostosas gargalhadas, enquanto ele acariciava a já imensa barriga da amada esposa quando, então, sentiu os chutes do filhote.

- Esse moleque vai ser um grande jogador de futebol! – entre risos dissera!

 

Um doce e sofrido sorriso aflorou aos lábios e rosto da mulher, ao lembrar-se do amado esposo. Ele não conhecera o esperado ‘grande jogador’ – morrera antes do nascimento do filho! As recordações fizeram-na chorar. Com os dorsos das mãos enxugou as sofridas faces umedecidas pelas lágrimas que cascateavam. As lembranças, contudo, persistiam em aflorar-lhe à mente. Recordou-se da tragédia: Estava preparando o jantar, quando recebeu a triste notícia da morte do marido. Dona Adelina – uma amiga, sua vizinha –, adentrando o barraco dissera esbaforida:

- Ai, meu Deus! Minha filha! Quanta desgraça! O seu marido Carlos morreu!

As imagens tomaram vida em sua mente. As pernas perderam o poder de sustentação; o mundo pareceu-lhe rodopiar sob os seus pés. Sentindo que iria desfalecer se segura – ainda trêmula – ao fogão. Fazendo uso das últimas forças restantes, tomou fôlego e coragem para, então, perguntar:

- O que é isso, dona Adelina? O que houve com o meu Carlos?

Chorando muito, a vizinha relata os pormenores do trágico acidente:

- O meu filho chegou agora, há pouco, e me disse que a construção onde eles trabalhavam, desmoronou-se e no acidente morreram o seu marido, e outros dois trabalhadores.

 

Assim, como a insegura construção, o frágil mundo da jovem e futura mamãe também, de vez, se desmoronou. As sofridas e doloridas recordações fazem a mulher pensar em voz alta, e um grito de dor se esparge pelo ar, ecoando pela dependência una do paupérrimo barraco: - Ai, meu Santo Deus!...

-Benção, mamãe!  Era o menino Carlinhos que retornava do quintal – das bananeiras do improvisado “banheiro químico” – onde estivera aliviando as dores sentidas no grosso e delgado.

 

A chegada do filho fizera-a despertar daquele macabro transe. A paupérrima mulher balouçou a cabeça. Queria, com o inútil gesto, espantar as saudosas, porém, macabras recordações.

-Que o Bom Deus te abençoe, amado filho – respondeu-lhe, entre lágrimas!

-Amém, mamãe! A senhora está chorando, mamãe? – quis saber!

-Não, não, meu filho! É esta densa fumaça que está fazendo arder os meus olhos, mentira – mentiu para não fazer o filho sofrer mais do que já sofria!

 

A perda do amado havia acelerado o nascimento do esperado filho, deixando minada, fragilizada a saúde da jovem mãe! As dificuldades financeiras – surgidas com o agravamento da sua doença – obrigaram-na a vender a casa, ainda em construção, desmoronando, de vez, o sonho alimentado por ambos, que era o de terem o próprio Ninho de Amor com os dois quartinhos: um para eleo grande jogador de futebol – e outro para a futura irmãzinha!

Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 13/12/2021
Reeditado em 13/12/2021
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