Ideias que fazem sofrer
 

          Se coisas tivessem sentidos, quando fossem quebradas, sentiriam alguma dor. As partes dos nossos corpos, quando fraturadas, sofrem assim consequentemente. As dores do corpo, geralmente, curam-se, mesmo quando a solução se torne dolorida. Segue-se o princípio lógico: retirada a causa, elimina-se o efeito (sublata causa, tollitur effectus). Nesse processo, acontecem falácias causais, como, elimina-se o efeito, tentando retirar a causa. Seria assim remediar a febre, pensando que estaria curando a inflamação... Contudo a febre tem sua finalidade curativa, avisa e faz reagir o corpo contra seu estado inflamatório. Essas seriam quanto às dores da realidade material.
           No mundo das coisas virtuais, a ideia assim se configura, desde o mais remoto tempo, como as do Mito da Caverna de Platão. São coisas materialmente irreais, mas ao nos fazerem sofrer, podemos dizer que são ideias que nos causam alegria, acelerando nossos corações; ou tristezas ou mágoas que nos causam dor. Enfim, são ideias que nos trazem sofrimento. O medo de um fictício monstro; a crença de um caótico fim do mundo, com o Sol nos irradiando com mais de 100 graus centrígrados; e outras ideias do gênero causam-nos ansiedade, e poderíamos dizer: dor. A desconfiança de que o companheiro está sendo traído pela companheira ou a companheira pelo companheiro tem sido uma dor, reconhecidamente vulgar, suposição irreal que causa mágoa, ansiedade e outras neuroses, colocando suposto “traído” num estado de “dor de ideia”, bem diferente do que outras dores do corpo, como a dor de dente, de barriga, de cortes, de fraturas ou de unha encravada, contudo, quem padece, mesmo moralmente, sente dor. Talvez, nessa mesma nave, colocam-se as vítimas de fake news. Afinal, um pouquinho de dor aperfeiçoa o pensamento.
          Cura-se dor de ideia com outra ideia. Os comprimidos relaxantes, chás, drogas e bebidas em excesso são passageiros paliativos. Há ideias que causam alegria, e outras, tristeza, como é a ideia filosófica de Heidegger ao intuir o nada humano, no mundo da existência; isso dói, em quem busque o sentido de viver. Não adianta procurar nos Florais de Bach, o medicamento definitivo, o que seria uma coisa para curar uma ideia. Quem sofre da ideia de ser perseguido deve se convencer de que não é perseguido... Algumas atitudes distraem, como cantar, dançar, rezar ou orar, e talvez ler reconfortantes filosofias. Mas, somente a ideia contrária combate definitivamente a ideia que causa dor, devindo esta última uma ideia apagada.
          As ideias movem o mundo, tanto é assim que os inertes não pensam ideias. E há uns que, por excesso, só vivem no mundo das ideias, jamais iniciam uma ação... E dentre tais inertes, alguns usurpam as ideias dos outros, até descobrirem a verdadeira origem da ideia usurpada. Verifica-se que muitos vivem das ideias alheias, comumente são os que, ao ouvirem sugestões numa reunião, falam no final, aproveitando-se do pretenso “poder de síntese”. As ideias originais podem ser geniais ou absolutamente estúpidas ou ineptas. As originais criativas têm longevidade; as estúpidas, fôlego curto. A boa ideia não precisa de força, impõe-se por si só, e remotamente ganha as eventuais batalhas para as quais ela foi o elã. A ideia tanto motiva a guerra, como a paz, dependendo de quais entranhas do pensamento ela saia; se é superficial, foi da superficialidade que ela foi gerada. Prende-se o autor da ideia, mas, em todos os aspectos, as ideias são livres, jamais prisioneiras de cadeias, correntes e amarras, voam além das montanhas e mares, mesmo assim são sempre sujeitas à dor. No dia em que anunciarem a morte do Papa Francisco, eu sentirei uma dor de ideia. Existem ideias que se consagram como idealismo para o bem de todos.