WATERBED
Sempre via ela entrando pelo portão principal. Nossos horários coincidiam e participávamos em aulas de escrita académica. Ela era muito boa nisso, confesso. Sabia todas as normas, APA, MLA, ABNT e outras. O engraçado é que nunca tive a coragem de levar a conversa adiante depois do "oi". Ficava confuso e ela parecia séria demais. Talvez esse seja o calcanhar de Aquiles para os tímidos quando o assunto é mulheres!
— Conseguiste falar com ela hoje? — Sara perguntou como que curiosa. Mas ela já sabia a resposta.
— Falamos! — Respondi a rir.
— Falaram? Falar de falar mesmo ou vocês...
— Foi como sempre, falamos um "oi" — Ela gargalhou com vontade ao ouvir-me. O postiço cobria-lhe o lado esquerdo do rosto e o batom começava a desaparecer. Precisava retocar!
Dizem que tudo é válido no amor e na guerra, mas não no nosso amor, quer dizer, no amor que eu nutria por ela. Sendo honesto, era só paixão. Estava longe de ser amor pois eu nada sabia sobre a criatura excepto que, era estudiosa, participativa e era membro do corpo de redatores do jornal escolar. E que também ia embora depois do "oi".
Assim que nossos olhares se afastavam eu criava expectativas. Pensava nela. Em casa, ensaiava em frente ao espelho, discursos que mudariam o mundo na base do amor e fariam florescer prosperidade neste planeta cheio de amargura voluntária. Só que, nada passava do "oi".
— Lembras-te da aula sobre convergência e divergência? — Olhando-me nos olhos ela perguntou depois de estarmos em silêncio por alguns minutos.
— Língua Portuguesa! Impossível não lembrar com o professor gritando daquela maneira — Respondi e ela revirou os olhos.
— Ele não grita. Tu é que adoras o silêncio. Mas este não é o ponto. Adriano, o ponto é: vossas convergências e divergências devem vos unir ao invés de separar. Se ela é boa em informática e tu também, então usa isto para se achegar à ela. Convergência vos convergindo. Por outro lado, se ela reclama que não entende de Antropologia, então está na hora de fazeres o papel do bom samaritano. Ajude ela. Depois do oi, mencione a nota baixa que ela teve em antropologia e se disponibilize a ajudar. Divergência vos convergindo. Entendeu?
— Entendi! Parece fácil só que, eu gaguejo na frente dela. Quando pedi o livro dela quase enfartei!
— Vai ensaiando querido, vai ensaiando!
O discurso dela fazia sentido. Eu achava que estava a investir num negócio que não lucraria ao dizer o "oi" e receber outro "oi". Agora sei, nem tinha começado a investir ainda! Ela não era obrigada a descodificar meu oi cheio de interesse. Para ela, o oi era mesmo só um oi. Precisava me abrir de modo sutil.
Achava que era melhor parar. Mas parar sem ter começado? Sara era incrível! Olhando para a confiança dela e sendo ela mulher, embora as mulheres "divergem" em muitos aspectos, me sentia mais confiante.
Era só investir! Quem sabe ainda conversaríamos sobre startups de aplicativos e a daria explicações sobre antropologia sentados no meu colchão de água? Ou devia dizer Waterbed?
— Sara — passei minha mão em volta do ombro dela enquanto andávamos — Tu és genial!
— Eu sei filho, eu sei!
© Fábio Kintosh