NÓS E OS ANIMAIS (DE ESTIMAÇÃO)

Na sacada, ele olha para o lado da rua por aonde ela costuma vir, no final da tarde, de volta do trabalho. Logo, logo o vulto dela vai surgir ali na esquina e ele balançará o rabo, em sinal de alegria, e correrá para a porta, a dar-lhe a acolhida de sempre: pulos e lambidas. Mas a tarde finda, as primeiras estrelas se acendem e ela não vem. Ele então retorna triste para dentro de casa e vai para o seu tapete, onde, enrodilhado, tenta dormir, deixando intacta a vasilha de ração. Repete o gesto todos os dias, ao longo do ano, com o mesmo final.

A cena é de um vídeo que vi na internet.

Não há música de fundo nem uma voz narrativa.

As imagens falam por si.

Exploram a nossa sensibilidade.

Fazem-nos sentir dor pela dor do cão, em sua demonstração de afeto e fidelidade a um ser humano que já não existe.

O vídeo abre um leque de discussão, mas me restrinjo ao tema do amor entre nós e os animais.

Sem reciprocidade de amor nós não levamos os animais (gato, cachorro, tartaruga, coelho, rato, cobra) para dentro de casa nem eles permanecem ali conosco.

Um tem que amar o outro.

Amor pelo “pneuma”, a essência de todo ser, que nos faz descobrir “colores en el viento”, como está expresso na canção cantada por Ana Torroja, que completa, dando-nos a chave para o entendimento da nossa relação com os animais: “amigos somos todos, como ves/ vivimos muy felices tan unidos/ en un ciclo fraternal que eterno es”.

Primeiro é preciso “cativar”. Diz a raposa para o principezinho, na obra-prima de Saint-Exupéry: “Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...”.

Pronto. O laço de fraternidade está formado. Agora é necessário “cuidar”. Lembremos de Caetano Veloso, que nos confidencia em “Sozinho”: “quando a gente gosta é claro que a gente cuida”. É pelo “cuidar” que as relações são cultivadas pela duração do “eterno es” da chave dada pela canção de Ana Torroja.

Cuidar passando remédio na pata machucada.

Cuidar não deixando faltar comida e água.

Cuidar dando banho, vacina, carinho.

Cuidar levando para passear.

Cuidar com conversas e brincadeiras.

Cuidar sem pôr coleira, corrente, cadeado.

Cuidar protegendo do frio e dos perigos do mundo.

É por ter alma, que nem gente, que bicho ama, balança o rabo, pula, lambe, ronrona, sobe no colo, esfrega nas pernas, faz bico, emburra, late, urra, pia e fica nos cuidando da sacada, para, assim que surgimos na esquina, correr para a porta e nos receber com aquela cara de felicidade a nos dizer que somos para ele os únicos no mundo.

(Texto de Adeblando Alves da Silva)