GARAPA

Garapa me faz recordar o meu tempo de menino vivido na cidade de Santana, na Bahia, no final dos anos 1960, quando eu frequentava o engenho de um parente nosso, chamado Eliezer.

Era um engenho rústico, de madeira. Um homem com chapéu de palha atiçava os bois com a vara de bambu. A moenda rodava. O caldo caía e as abelhas voejavam sobre o balde e os bagaços da cana.

Perto dali os tachos de cobre sobre o fogo.

E o canavial ao fundo, sob o sol.

Canavial verdinho e bonito que nem o de Recife, cantado pelo poeta João Cabral de Mello Neto no poema “O vento e o canavial”: “Se venta no canavial/ estendido sob o sol/ seu tecido inanimado/ faz-se sensível lençol,/ se muda em bandeira viva,/ de cor verde sobre verde,/ com estrelas verdes que/ no verde nascem, se perdem”.

Os homens trabalhavam e cantavam.

As borboletas pousavam nas sempre-vivas.

O dia era azul.

A cana foi trazida para o Brasil em 1533, pela mão do português Martim Afonso de Souza. Foi cultivada em São Paulo e mais tarde levada para o Nordeste, tornando-se o principal produto da economia colonial até o final do século XVIII, num período histórico que ficou conhecido como o do Ciclo do Açúcar.

Não perco meu tempo lendo livros didáticos ou históricos insossos para saber sobre esse tempo.

Prefiro os romances de José Lins do Rego, cuja vida espiritual, no entender de Alfredo Bosi, conforme registrado no seu “História concisa da Literatura Brasileira”, é um “assíduo retorno à paisagem do Engenho Santa Rosa, ao avô, o mítico senhor de engenho Coronel Zé Paulino, às histórias noturnas contadas pelas escravas, amas de leite, às angústias sexuais da puberdade, enfim ao mal-estar que o desfazer-se de todo um estilo de vida iria gerar na consciência do herdeiro inepto e sonhador”.

É isso que constato de “Menino de Engenho” a “Usina”, passando pelos imprescindíveis “Banguê”, “Moleque Ricardo” e “Fogo Morto”.

Foram-se os engenhos rústicos, como o do meu parente Eliezer, ficam as máquinas elétricas de moer cana dos trailers coloridos, espalhados pelos bairros das cidades, com um rapaz de avental de plástico branco, cabelo moicano e piercing no nariz a nos atender.

É num desses, localizado à beira da estrada, que paro para tomar o meu copo de garapa com gelo, antes de prosseguir viagem ao som de Raimundo Fagner: “...Pra ser feliz num lugar/ pra sorrir e cantar/ tanta coisa a gente inventa/ mas no dia que a poesia se arrebenta/ é que as pedras vão cantar...”.

(Texto de Adeblando Alves da Silva)