ROMANCE DAS COISAS ANTIIGAS

ROMANCE DAS COISAS ANTIGAS

"...um mundo de ficção onde

realidade e fantasia se cruzam

e entrecruzam..."

WILSON LOUSADA, in "Menino de

Engenho" (ed. J. Olympio, 1976)

Enfim, li José Lins do Rego, prolífico cantor das coisas do sertão dos 1900 e pouco, com 3 ou 4 apresentações na obra, praticamente todas admitindo se tratar de FICÇÃO as narrativas constantes do livro. Lera eu, meses antes, "Menina que veio de Itaiara", da consagrada autora paraense Lindanor Celina, também este romance na conta de... ficção ! Vejo com espanto que cenas com jeito e roupa de fatos, de coisa acontecida, tomem na visão geral aspecto de "invenção". Talvez se mudem nomes das figuras retratadas, mas me custa crer que se tratem de ilusões. Itaiara seria -- se não fôr realmente -- nossa secular Bragança com sua hoje extinta Estrada de Ferro.

José Lins nem "camufla" os lugares, usa o nome real dos locais onde o menino vive (e vê) suas aventuras, algumas delas, poucas, que atualmente nem poderiam ser contadas. A obra é de 1933, lançada "às suas expensas" do autor -- traduzindo, do próprio bolso -- várias Editoras o recusaram. Em plena carestia vendeu 2 mil exemplares em ralos 3 meses, um sucesso !

Um dos 3 ou 4 prefaciadores alerta não poder aconselhar a leitura da obra "a todos os leitores. É um livro de naturalismo feroz, que talvez repugne as almas tímidas (...) É a história exata e natural de uma criança (...) sem os poderosos freios de repressão familiar". (apud JOÃO RIBEIRO, set./1932)

Não sei porque, raros admitem tratar-se de autobiografia, Carlos Drumond o vê como fábula, "infância dramatizada" e alguns citam a semelhança com "O Ateneu" de Raul Pompéia em seu próximo livro, o "Doidinho". Até mesmo José Lins quer ver sua narrativa como "fantasia"... nos iludimos por meio livro achando que fala dele próprio e, eis que na página 99, nos "apresenta" um certo Carlinhos, Carlos de Mello, que vem a ser o garoto que irá para o colégio interno (no romance seguinte, "Doidinho") "para endireitar-se".

Reler "O Ateneu" me foi um custo, o brilho que nele via desvaneceu-se, "esmilinguiu-se" -- diria minha mãe mineira -- 50 e tantos anos depois. Foi uma das influências de José Lins do Rego, acusam seus analisadores. Têm razão quando citam "Menino de Engenho" como um dos grandes romances da moderna Literatura nacional, talvez até da internacional. São inesquecíveis as passagens sobre a enchente chegando ao sertão, o fogaréu "comendo" o canavial, a vinda do cangaceiro Antônio Silvino à fazenda do avô do menino e o "tratamento" dado aos escravos naquelas paragens.

Devia ser leitura obrigatória para todo RACISTA empedernido ver como o Negro era tratado, mesmo depois da tal "Abolição", que nem chegou aos sertões... o progresso, a mecanização da agricultura viria tirar trabalho ao ex-escravo, levá-lo à fome e aumentar sua miséria, agora sem ter onde comer ou sequer dormir. O Brasil se fez potência pelo sangue, suor e lágrimas do Negro cativo e nem mesmo isso lhe foi/é reconhecido. "Menino de Engenho" relembra E CONFIRMA esta imensa injustiça !

"NATO" AZEVEDO (em 7/dez. 2021, 6hs)