FOOTING
“Footing” é uma palavra inglesa traduzida para o português como “passeio a pé”, que é o mesmo que caminhada, exercício físico moderado, aquele que praticamos de madrugada ou à noitinha, nas ruas e praças da cidade.
Aqui no Brasil, sua origem remonta aos anos 1960.
No parágrafo inicial do conto “Os cavalos brancos de Napoleão”, do livro “Inventário do ir-remediável”, publicado em 1970, Caio Fernando Abreu faz uso dela: “A princípio os cavalos eram mansos. Inofensivos como moças antigas fazendo seu footing na tarde de domingo”.
Na minha ignorância, eu não sabia o que era “footing”, até ler o seu significado no dicionário.
O poeta Manoel de Barros também teve a sua cota de ignorância.
Não sabia o que era “escrínio”.
E não ficou vermelho ao confessar isso na “Gramática expositiva do chão”: “Um poeta municipal já me chamara a cidade de escrínio/ que àquele tempo encabulava muito porque eu não sabia o seu significado direito./ Soava como escárnio./ Hoje eu sei que escrínio é coisa relacionada com jóia, cofre de bugigangas.../Por aí assim”.
O que me consola, Manoel, é que não somos os únicos ignorantes da face da terra. Há muita gente por aí, neste exato momento, encabuladas por não saber o significado de palavras que lhe entram pelos olhos e ouvidos, vindas de todas as direções.
Gente que trava.
Gente que passou a infância a brincar daquela brincadeira de formar frases com palavras que não sabiam o significado e se confundiu depois na reescrita.
Brincadeira tão sem graça quanto a do “stop”, mas divertia.
Na bifurcação do caminho, escolhemos o lado que nos fez esquecer o conselho de Drummond: “Chega mais perto e contempla as palavras/ cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta,/ pobre ou terrível, que lhe deres:/ Trouxeste a chave?”.
E continuaremos a ficar encabulados diante de palavras que não sabemos o significado.
Como a “footing” dos anos 1960.
Ou a “jogging” de hoje em dia.
Como tenho ácido úrico, descarto o jogging, mas tenho preguiça para o footing, principalmente nas tardes de domingo.
Melhor mesmo é continuar lendo os contos de Caio Fernando Abreu e penetrar surdamente no reino das palavras, com a chave que a literatura me deu.
(Texto de Adeblando Alves da Silva)