CRIADOR E CRIATURA
Dentro de mim habita uma criatura que desconheço. Por vezes se faz calmaria, imprimindo passos dóceis e aveludados. Num instante qualquer, se rancoriza, atiça os dentes e ergue as unhas. Depois, como por encanto, incorpora suaves melodias e assim fica até quando lhe der na telha, Este ser pouco afável é lépido no querer-bem, no ajudar-bem, no fazer-bem. Mas, por outro lado, quando assim entende por devido, chuta os paus da barraca, detona meus próprios chãos, joga um dilúvio em tudo e todos. Hoje, com os anos tantos, já não me surpreendo tanto com suas faíscas e lavas incandescentes, por sinal já bem domesticadas e menos letais. Entendo que este rio faz parte do meu manancial de existência, o qual não devo chutar longe nem ignorar. Conseguimos tecer um bordado afinado, sem os turbilhões de outrora, e levamos numa boa. Criador e criatura se apaziguaram para viveram em paz e felizes até sempre.